Noivamente
No mês de maio ela tirava o vestido da caixa.
Antiga ela. Queria casar no mês de maio. Mas nunca aconteceu nada, nem antes, nem depois.
Até que um dia, solitária, resolveu picar o vestido e fazer dele pedaços.
Entremeou-os com outras sedas, de cores fortes, como a vida teimava em não lhe ser.
Fez dali uma colcha, que ficou pronta na primavera quando ela a expôs na sua cama sempre vazia e empoeirada dela mesma.
Saiu para caminhar na praça, porque só isso a fazia sentir-se no mundo.
O céu fechou-se de repente e ela ficou ilhada, no coreto, esperando a tempestade passar.
O sol brilhou tímido por trás da torre da igreja, matriz em que ela tanto sonhava pisar, vestida no que agora virou uma colcha, mulher retalho.
Voltou para casa, encharcada pela chuva, que adentrara pelas janelas raramente abertas.
Chegou ao quarto e levou um susto suspirado, daqueles em que o som sai repentino.
A colcha tinha virado um jardim de flores, de hastes longas e fortes.
Um beija-flor sugava o néctar de uma delas. Era azul a flor, era verde o que a beijava.
A mulher retalho percebeu que desabrochava e que o tempo havia parado ali para que a vida tomasse novo rumo e se re-engatasse.
Sentindo-se outra, mais relva do que crepúsculo, tirou a roupa e vestiu-se na colcha, saindo pelas ruas que cheiravam à dama da noite.
Agora ela sabia: era chegada a hora de encontrar seu jardineiro.
Com esta crônica, fui classificada em segundo lugar em um concurso promovido pelo jornal e associação de escritores da cidade onde moro metade de meus dias, mas que, muito em breve, será definitivamente a minha cidade.