13 de agosto de 2010

Da série Mudanças

Paulão

Hoje eu conheci o Paulão. Cabelos lisos semilongos. Sotaque nordestino e um cabra prático pra caramba.
Faz de um posto de gasolina o seu point para as negociações: compra e venda de carros usados.
Analisou meu Celtinha 2005/2006 com olhos de águia: "Aqui a batida foi fraca. Aqui eles remendaram mal. Coisa feita por essas autorizadas... mas é fácil de ajustar... os pneus estão bons, hein? Só 35 mil km... bem cuidadinho. Nossa! O estepe é original e nunca foi usado?!" - em 4 anos, nunca furou o pneu.... sortuda eu!- e assim foi. Cada detalhe um comentário, mas nada que desabonasse o meu companheiro de idas e vindas nessa louca cidade onde sobrevivo.
"A senhora não quer baixar um pouco o preço pra ajudar a gente?". Sorri e respondi em cima: "Se eu ajudo você, quem vai me ajudar?" Ele riu também. "Moça esperta, hein?"
No posto, mais dois carros se enfileiravam ao lado do meu, à espera da vistoria simpática do Paulão.
Eram um outro Celta e um Palio. Ambos visivelmente judiados.
"Veja só, moça: as pessoas não cuidam das coisas, né? A senhora, não. Deu uma raladinha, já tá lá, mandando arrumar. Isso é muito importante na vida. Não deixar as coisas chegarem num ponto em que não tem mais jeito..."
Frase sábia do Paulão. Além de 'roleiro' de carro, é filósofo de posto de gasolina.
E tá certíssimo o cabra! Por isso mesmo vendi meu carro. Não quero outro. Se tiver de ter um, será o que meu marido deixa em casa, na garagem, porque na nossa cidade de interior ele não precisa ir e vir sobre 4 rodas. Nem ele, nem eu. Enquanto isso, vou caminhar muito, subir e descer de metrô, se preciso for. Mas nada de buzinas, congestionamento, raladas de motoqueiros, barbeiragens minhas, dos outros... chega! Antes que não tenha mais jeito, vou mesmo seguir os conselhos do Paulão.
Acertei o negócio, apertamos cordialmente as mãos, agradeci por cuidar de meu amigo flex e segui em frente, de mochila nas costas e energia na alma.
Porque uma nova caminhada começa agora!

9 de agosto de 2010

Da série Retorno

Peixe fora d'água

Estou de volta ao vazio dos muitos carros que se atropelam nas ruas estreitas.
Sufoco-me no ar pesado e cinza que paira entre os arranhacéus.
Vejo as caras cansadas e as almas penadas dessa gente que sobrevive.
Não sou mais daqui. Peixe fora da água deste mar de concreto.
Quero voltar para perto das capivaras, abanando as orelhas.
Preciso do sabor natural do sorvete que me alimenta nas tardes quentes, sentada no banco da praça.
Necessito descer e subir as ladeiras, sempre a pé e devagar.
Quero deixar as portas destrancadas e os vidros abertos - como fica meu coração quando lá estou -, sabendo que não serei invadida.
Gosto de fazer bolo de laranja e levar um pedaço quentinho ao meu novo amigo, o porteiro do prédio aconchegante, de três andares, onde mergulho nos meus dias de paz.
Fazer compras nas lojas simples, de preços justos e pessoas sensatas.
Caminhar no parque da juventude - point da cidade -, sentindo-me como tal, mesmo beirando os 50 anos.
Amar meu marido de um jeito tão sereno como nunca havia, assim, amado.
Esperá-lo para jantar, assistir à TV, falar de nós, dos outros, do mundo e de planos.
Dormir cedo, acordar no pique, querer viver mais e mais essa vida em que o dia tem, sim, 24 horas, sentidas e curtidas como que eternas.
Voltei... mas não é aqui que me encontro. Preciso retornar ao meu mundo. Preciso reencontrar as capivaras!