6 de agosto de 2012

Da série Ato Falho


Você sabe quem...
Mais uma reunião, mais tormentos. Ela saiu cansada, arrasada e muito aborrecida. O chefe não tinha qualquer tato. Expunha as pessoas, buscava culpados e não motivava a equipe, que se acovardava atrás de salário e alguns benefícios.
“Chega!”, pensou ela diante do computador decorado com montes de post-it de tarefas a cumprir.
Lembrou-se de um ex-chefe, de uma ex-empresa, de um ex-tempo em que ela era feliz e não sabia.
Mandou ver. Escreveu um e-mail para ele, colocando toda a sua ira em cada palavra e pedindo ‘pelamordedeus’ que a ajudasse sair daquela “prisão”. “Meu chefe...”, digitou enraivecida, “além de incompetente e mal educado, é cruel e sem qualquer bom senso”, disparou no teclado, surrado de tantos caracteres despejados em mais uma página online de sua vida.
Todos já tinham saído quando ela encerrou o e-mail. Clicou em Enviar e, no mesmo instante, sentiu-se leve, solta, completamente outra, mais do que decidida a sair dali e recomeçar. Que se dane tudo, inclusive escrever um e-mail bombástico daqueles no ambiente de trabalho, usando o endereço corporativo. “Não tô nem aí! Cansei de ser palhaça!”, sussurrou, desligando o micro, pegando a bolsa e saindo direto para um boteco onde alguns colegas se reuniam para beber e falar mal de... você sabe quem: o chefe.
Mas, naquela noite ela estava tão tranquila, pós o e-mail esculacho, que não entrou na conversa. Bebeu duas taças de vinho e foi para casa, quase que saltitando porque, ali, bem no fundo de sua alma, ela sentia que no dia seguinte tudo ia mudar.
Dormiu como anjo e acordou na maior disposição, como há anos não acontecia. Chegou ao trabalho mais cedo até. E quando sentou em frente ao computador, viu um post it maior que todos, bem no meio da tela, com os dizeres: “Venha até minha sala assim que chegar”. Vixi! Era do... você sabe quem: o chefe.
Nesse mesmo instante, ela teve uma visão. Sentiu vertigem, as pernas começaram a tremer e o suor pingou no teclado. Ligou o micro correndo, entrou nos e-mails, em Enviados. Quase caiu da cadeira quando percebeu a meleca que tinha feito. Estava tão fixada na raiva de... você sabe quem... que acabou colocando, no endereço do destinatário, o e-mail do ...você sabe quem!... no lugar do endereço do tal ex-chefe.
Mamma mia! Mandou aquele texto mais do que horrível para o tão horrível quanto... você sabe quem!
Pensou em correr para o elevador ou atirar-se pela janela, até que o dito cujo apareceu no corredor e gritou: “Venha agora aqui!”
Cambaleando e equilibrando-se no salto 15, entrou na sala do chefe, fechou a porta e sentou-se, enquanto o... você sabe quem... bufava do outro lado da mesa. Ela não conseguia ouvir nada. Só pensava na grande mancada: mandar a mensagem para o chefe errado e, ainda por cima, usando o computador e o endereço corporativo!
Perdeu as forças e ficou entregue ao destino, que se resumiu a uma breve passagem no RH para dar baixa na carteira, juntar seus objetos pessoais e sair dali para sempre, enquanto o... você sabe quem... fazia uma reunião de emergência com toda equipe para ditar novas regras e destruir mais autoestimas.
Não soube muito mais sobre ela depois disso. A única coisa que me contaram é que foi vista pela última vez pegando um avião para um país distante onde a tecnologia ainda é escassa e a comunicação difícil. Tudo para esquecer esse terrível episódio que vivenciou com... você sabe quem!