5 de março de 2010

Da série Fome


Babe-te
Estava numa secura danada. Melhor: num sal lascado.
Meio curtida numa mesmice, como mar que bate e volta, sem levar nada consigo, só areia.
Fiquei nessa praia deserta até dois meses atrás. Daí as coisas mudaram. Muitos manjares.
Tudo do bom e do melhor, farto, sem infartos, mas com o coração a mil.
É assim que me vejo: gulosa, querendo mais, lambuzando-me de uma alegria tão doce que... já volto! Vou jantar-te.

Engov

Faz tempo que não fico indigesta.
Quando me começo enjoada, lembro de ti.
E volto a sentir-me como quando te sinto,
suave, meu vinho camembert, nem muito denso, nem fraco demais.
No ponto, sempre, para me esbaldar-te.

Trivial

Tem quem não goste do trivial arroz com feijão.
Eu adoro. Mas não qualquer arroz, nem um ralo feijão.
A substância vem desse seu tempero mágico...
Você me dá caldo, menino, e por isso prossigo em ti, saciada.

Sobremesa

Foi sobre a mesa que você me amou aquela vez, lembra?
Jogamos os talheres no chão e você descascou-me com suas mãos fortes e gentis.
Sugou-me inteira e pediu mais uma porção.
Nem peça. Te dou-me de bandeja. Só não se esqueça do depois:
quero-te no café da manhã...

3 de março de 2010

Da série Partos

Cria

Quem hoje parte veio de um parto.
De um nascer de entranhas, minhas, doloridas.
Parte a minha parte, melhor de todas.
Que caminha decidida, galgando os degraus do ônibus.
Nas costas, uma mochila. No rosto, cenários outros.
Na minha lembrança, ele colado em meu peito, adormecido.
Na plataforma, nossos olhares se cruzam sorrindo.
Preencho-me de um amor incomparável e expiro o desejo sincero
de ver a minha cria seguir assim: recriando a própria vida.