21 de junho de 2009

Da série Vestida para...

... amar
Não era de renda, pois achava "demodê".
Era cetim, sem muito brilho.
Justo no corpo esbelto, preso à cintura fina e torneada.
Com estilo ela disse "sim",
e saiu da igreja com seu homem,
pronta a amá-lo, de corpo e alma.
Eternamente.

... trair
Os anos se passaram, pouco menos de uma década.
O bustiê sustentava os seios tamahho 44.
A saia, aberta na lateral, mostrava as coxas roliças.
Um xale cobria os ombros e as costas nuas.
E assim ela entrou no quarto de um motel barato,
seguida por um qualquer, só para sentir-se desejada.
Virou rotina.

... coçar
Já na meia idade,
resolveu parar de trabalhar, porque cansou.
O esposo tinha muitos bens e pouca sanidade.
Melhor administrar as riquezas e manipular o tolo.
Ficou a fazer nada, engordando o tempo, o corpo e a preguiça,
vestida em seu roupão de seda, chinelos de camurça e
taças diárias de champagne.
Para embebedar-se.

... matar
Cansou de ser nada, sentir-se vazia, transbordando gordura.
Estava farta da ausência do homem e marido, largado à cama,
completamente demente e dependente.
Não podia se quer usufruir de seus bens
com aquele semidefunto pendurado em seu destino.
Colocou a blusa preta, a saia de pregas e meias na mesma cor.
Os sapatos de salto baixo compuseram seu perfil viúvo.
E assim injetou ar na veia do morimbundo.
Ressuscitou-se.

... confessar
A culpa visitava-a todos os dias,
à noite sonhava com veias e seringas.
Achava que ele voltaria para buscá-la.
Resolveu confessar-se para sentir alívio.
Usou o vestido azul-marinho e o chapéu com flores lilás,
que realçavam seu corpo novamente esbelto.
Entrou no confessionário e suplicou:
'Padre, dai-me a sua benção porque pequei.'
Mas perdeu a voz, o senso, o ar,
quando do outro lado da janelinha,
o falecido a encarava tenebrosamente.

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