16 de agosto de 2009

Da série Radical


Ao pé da letra

O cara era assim: tudo, absolutamente tudo, ele seguia à risca.
Bula de remédio, lei de trânsito, rótulo em produto... nada questionado.
Só cumprido, tim tim por tim tim.
O pessoal do escritório onde ele trabalhava já sabia.
Aí era pura gozação diariamente.
Pregavam rótulos em tudo, com orientações trocadas, porque sabiam que ele seguiria.
Uma vez foi no papel higiênico. Na etiqueta, a indicação: ‘use sempre o lado de dentro do papel para se limpar’. E o cara seguia certinho, no maior malabarismo.
No almoxarifado, invertiam as ordens. ESTE LADO PARA CIMA.
Ele pegava o pacote pelo fundo e tudo caia no chão... mas que culpa ele teria se era essa a indicação? Nenhuma.
Outra boa: na porta vai e volta, no lugar do ‘empurre’ puseram o ‘puxe’ e vice e versa.
Lá ia ele. Numa força homérica, mas empurrrrannnnndo e puxxxaaaannndo até conseguir.
Virou motivo de piada, é claro. Mas tudo tem dois lados: o ruim e o nem tanto.
O tal era figura honestíssima. Lei de Gerson com ele, nem pensar, sem chance!
A saúde também estava em dia: exames feitos rigorosamente no período pedido, tratamentos seguidos ponto a ponto.
Mas, cá entre nós, por outro lado, o cara era um chato.
Nenhuma regra quebrada, nenhuma saidinha pela esquerda.
Beber meia cervejinha antes de dirigir? Nada! Ta dito lá: ‘Se beber, não dirija’. Então, necas de ‘pitibiriba’.
Com a esposa, com quem vivia há 26 anos, sempre com camisinha. ‘Mas, amor!!! Eu faço os exames anuais, eu sou fiel a você... podemos, depois de tanto tempo e três filhos, liberar um pouco’. E ele nem pestanejava: ‘Sexo seguro, só com camisinha’.
Era o dedo-duro quando via gente infringindo a lei do trânsito. Apontava aos fiscais os fumantes em local proibido. Uma coisa de retidão.
Contas para pagar, então. Nem um dia a mais nem a menos. Vence dia 30? Paga dia 30!
Sem pechinchar também. Se o sapato custa 120 reais, pagará 120 reais e ponto.
Mas o excesso de regras acaba confundindo mais quem as segue do que quem não está nem aí. Porque são tantas...algumas até meio sobrepostas.
Foi o que aconteceu com ele... começou a achar o seu casamento um saco.
Acabou o tesão, o amor, a cumplicidade... tudo virou mera formalidade que o sufocava.
Mas se manteve fiel, porque tinha jurado, no altar, respeitá-la em todos os sentidos.
Jamais quebraria uma regra dessas, ainda mais com cunho religioso: ‘Deus me livre!’
Mas mesmo os retos na fé e na vida se enchem e se estressam.
Não podia abandoná-la muito menos ter amante... foi quando lembrou-se da frase emblemática e definitiva, após o ‘sim’ matrimonial: ‘Até que a morte os separe!’
Matou a mulher e está preso. Mas a consciência permanece tranquilinha, tranquilinha.

2 comentários:

luiz otavio disse...

Muito bom! Altamente inspirado! Só não é Dalton Trevisan puro, porque optou por não ser, mas a temática é parente da dele. Você tá cada dia melhor! Bjs.

Anônimo disse...

Esse cara é o Alan do "Two And a Half Men", huahuahuahuahuahua...
Bjs Mari,
Ale