2 de outubro de 2012

Da série Encontros


O poder da propaganda
Marilene acordava às 7, tomava café, lia o jornal e recortava frases inspiradoras. Em um anúncio de liquidação, algo chamou a atenção: ‘Mas, é só até sábado!’. Pronto: a frase desencadeava toda uma lógica própria. “Tenho até sábado para decidir se vou ou não vou para a cidade grande visitar meus parentes”.
Recorto-a, fixando no quadro de recados, sobre a escrivaninha. Sabia que passaria a semana relendo aquilo, mesmo que no fundo já tivesse decidido não ir, porque detestava aquela cidade e não gostava tanto assim dos tais parentes...
Naquela manhã, Judi, a cadela vira-lata parecia não querer dar a tradicional volta na rua. Enfim, Marilene conseguiu colocar a coleira na pequena para o passeio.
“Bom dia, seu Carlos! Como foi de ontem pra hoje?”, perguntou ao porteiro.
“Ah, dona Marilene. Nada mudou. A vida continua a lerdeza de sempre”, respondeu.
Ambos riram e Marilene seguia seu caminho.
Encontrou o menino Pedro, de bicicleta, indo em direção à loja do pai.
Judi começou a latir. Marilene não entendia porque ela estava daquele jeito, quando
começou a ouvir, cada vez mais alto: “Pamonha, pamonha, pamonha...” e viu, do outro
lado da rua, um caminhãozinho descendo desembestado.
Marilene assustou-se, paralisou-se e grudou-se no lugar. E tudo escureceu.
Quando acordou, estava de branco, deitada na maca. “Morri!”, mas, não. Era o hospital, onde aguardava o efeito da anestesia da cirurgia que colocou seu fêmur no lugar.
“E Judi? Cadê Judi?!”
“Sua cachorrinha está bem, com o pessoal da recepção”, falou a enfermeira, tentando acalmá-la.
Bateu desespero na Marilene. Podia ter morrido ou ficado com sequelas para sempre. Também se deu conta que não tinha ninguém a quem recorrer. Naquela cidade pequena era ela, Judi e Deus. Nenhuma pessoa mais íntima, para trocar confidências ou curativos. Foi quando se arrependeu por ter se fechado tanto.
Mas, para sua surpresa, assim que chegou de maca à enfermaria, deu de cara com uma senhora e uma moça: eram as parentas da cidade grande, que ela não gostava tanto assim...
“Minha querida!”, disse tia Cida, beijando a testa de Marilda.
“Ficamos preocupadas quando o porteiro do prédio ligou”, contou a outra, prima Olivia.
“Mas, mas... como ele sabia, se nunca falei de vocês?”, perguntou Marilda, atordoada. “Como ele tinha sua chave, foi ao apartamento procurar algum contato para chamar. Viu no quadro de recados nosso telefone ao lado de uma frase”, explicou a prima.
Marilda começou a rir sem parar e as duas visitantes, com cara de interrogação, riram também, só para não fazer desfeita.
As parentas se revezaram: uma ficava com Marilda, no hospital, a outra cuidava de Judi.
Menos grogue, Marilda relembrou o dia do acidente. Talvez Judi tivesse pressentido algo, por isso não queria sair. Também soube que o menino Pedro foi quem chamou o resgate.
Enquanto a tia ajustava os travesseiros na cama, Marilda perguntou-lhe até quando pretendiam ficar com ela, ao que a tia prontamente respondeu: “Só até sábado”.
Logo em seguida, ouviram batidas na porta do quarto. Era um senhor sexagenário, com rosas numa mão e um pacote de pamonhas na outra. Seu Antônio, o dono da camionete, veio desculpar-se, querendo assumir todos os custos causados pelo acidente.
Quanta gentileza, não só pelo ato responsável, mas pelas flores e as pamonhas que ele passou a levar toda semana à casa de Marilda, até que ela o convidasse para tomar um café... almoçar... jantar e, finalmente, pernoitar, enquanto Judi uivava na varanda, à luz da lua, que clareava, no quadro de recados, a frase de uma propaganda de supermercado: “Lugar de gente feliz!”

 

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