4 de julho de 2009

Da série Memória


Quando ela é de menos

Perdeu todas as lembranças. Não foi assim, de uma vez, não. Aconteceu aos poucos e, quando percebeu... quem ela era?
Procurou na caixa de brinquedos, no fundo do armário, o tempo da infância. Nada. Nenhum aniversário com bolo confeitado ou vestido rosa e tranças feitas pela doce madrinha. Nem os natais, com a visita do Papai Noel - o vô Mauro fantasiado. Também não se lembra do dia em que, aos prantos, foi pela primeira vez para a escola. Ausência de tudo, sem repentes nem relâmpagos de história.
Recorreu aos velhos diários escritos na adolescência. Não se lembrou qual foi o primeiro amor - certamente platônico - nem quando começou a usar sutiã e batom rosa. Nada lhe veio à mente sobre o primeiro beijo nem os bailinhos "mela-cueca", rostos colados, em alguma garagem da casa de alguma amiga. Também não se recordava da primeira transa, do casamento - festa bonita -, do emprego onde ficou quase que a vida toda, dos filhos que vieram, do divórcio que os sucedeu... tudo esquecido, largado em algum buraco negro da memória vazia.
Mas de tudo isso, o que realmente a incomodava, deixava-a extremamente indócil e irritada, era não se lembrar, de jeito nenhum, onde guardou os malditos cigarros!

Quando ela é demais

Ele se lembrava de tudo sobre a vida dos outros e acontecimentos gerais.
"A Cris falou com 1 ano e dois meses", "Paulo andou com 11 meses".
"O primeiro show de Frank Sinatra no Brasil foi dia 2 de fevereiro de 1980, no Maracanã".
E por aí ele ia: "a primeira namorada do Gledson chamava-se Silvia. Eles se conheceram em 1955 e ela tinha uma pinta no ombro esquerdo".
"Lembro que o Fábio tirou 5 em português, quando estávamos no segundo ano primário... em 1948".
E dizia coisas como, por exemplo, Alberto ter casado numa tarde de dezembro, no começo dos anos 50, e ter chovido à beça, destruindo a cobertura preparada para a festa. E Alberto nem lembrava se quer o dia de seu casamento.
Memória impecável. Desde criança pequenina. Um baú de recordações, fatos, curiosidades...
Um dia, seu neto perguntou-lhe ingenuamente: "Vô, qual foi o dia mais feliz da sua vida?"
Ele parou por alguns minutos, deu um sorriso maroto e respondeu: "Foi quando o professor me perguntou qual era a idade de Einsten quando ele saiu da Alemanha. Não lembrava de jeito nenhum. Sua avó, que sentava atrás de mim, assoprou a resposta... e eu me apaixonei por ela".

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