2 de novembro de 2009

Da série Eróticos Urbanos - 3

É o fim?

Ela recebeu o diagnóstico: mais 6 meses de vida. E só.
Primeira reação: pânico! O que fazer com tantos sonhos ainda por acontecer?
E as dívidas? E os desamores? As brigas, as reconciliações? As viagens que não realizou, as comidas que não experimentou, homens que não beijou, o bem que não causou...
Nem dormiu naquela noite. Precisava preparar os seis meses com tamanho capricho que tinha esperanças de levar como lembrança, mesmo que tênua, para a próxima encarnação.
Foi acalmando-se até que conseguiu começar a organizar as ideias.
Listou alguns itens, vontades para concretizar antes de bater as botas, mas apenas um.... um apenas... tirava-lhe o fôlego. Decidiu que esse seria o primeiro a receber um 'confere' ao lado, pós concretizado.
Ficou vermelha só de imaginar. E feliz em pensar que a morte trouxe alguma vantagem. Depois, ninguém nem saberia. E, se soubesse, ela já teria morrido mesmo...
Ligou para uma amiga estilo 'picante' e contou de um jeito torto o que queria: "Sabe, Telma, uma conhecida minha quer muito e como ela é tímida, resolvi ajudá-la. Você tem alguma dica?". A outra não tinha dicas, mas um manual de instruções super completo. E lá foi ela fazer algumas ligações, traçando o passo a passo.
Dois dias depois, tudo ajeitado, ela não se cabia de ansiedade. E riu-se: se não fosse o fim premeditado, jamais estaria fazendo algo assim.
Tomou um banho longo, colocou a melhor lingerie, vestiu-se como puta e desceu para pegar o carro.
Foi ao motel marcado, entrou na suite master e ficou à espera.
O primeiro tinha 1,89m, músculos que pareciam quando a gelatina passa do ponto, sabe? - que fica durinha. E uma tatuagem enorme, de dragão, nas costas. Era moreno, sorriso enigmático.
Entrou, sentou-se na cama e esperou. O segundo chegou em seguida. Tinha olhos bem claros, cabelo enroladinho e loiro. Menor no porte, mas, pela cueca marcada, maior no que de fato interessa. O terceiro, então, tinha cabelos longos, presos por rabo-de-cavalo, mestiço - um 'q' oriental. Pele branca, coxas e bunda fortes. Uma tatuagem de cobra acompanhava o contorno da perna.
Os três ali, semi nus. E ela, apenas de calcinha e sutiã rendados, num tom lilás que combinava com as cortinas do quarto.
Sentiu-se tão excitada e molhada que chegou a um orgasmo mental.
Pediu ao moreno que a beijasse. Ao loiro, que tirasse sua calcinha. E ao mestiço coube desfazer-se do sutiã.
E a onda de carícias, de seis mãos e três linguas, confundia-se no seu corpo trêmulo. Uma mistura de quente, morno e frio - lembrou-se das brincadeiras de infância e de como era feliz fingindo procurar algo escondido pelo amiguinho de escola, por quem ela sentia coisas que não sabia nominar.
As bocas, que agora beijavam a sua, traziam gostos que recordavam os chicletes mascados na juventude. Tutti-frutti, seu preferido, menta e fambroesa.
Deixou-se ser explorada em todos os seus cantos, cheios de segredos que ela não conhecia. "Nossa! Como Isso é booomm! Caramba! Não sabia que era possível tudo isso só com o toque dos dedos! Mamma Mia! Repete essa, por favor?"...
No terceiro orgasmo, resolveu parar de contar.
Fechou os olhos e, passivamente, recebeu aqueles membros. Parecia estar num estado de êxtase, fora do Planeta, longe das regras, dos pudores, dos medos, do que é bom, do que é certo, do que é possível.
Sentia-se flutuar enquanto seu sexo pulsava recebendo o calor de outros sexos.
Os quatro foram para a piscina e ela se deu conta de que saber nadar - coisa que não tinha no currículo pessoal - não lhe valeria de nada ali. Sentiu-se sereia, cavalo-marinho, golfinho e, por fim, a mais devota amante do boto.
Percebeu que cada poro, cada pedacinho de sua pele pediam mais. Por que só assim, tão perto da morte, permitiu-se tudo? Uma mulher que, aos 40 anos, dava-se o direito de fazer todas as bobagens que condenava em outras, mas que invejava no calar da noite, entre dois travesseiros vazios.
Também não queria mais entender nada. Desejava apenas, pelo menos mais uma vez, perceber-se viva, dona de um corpo transbordando de desejo.
Passaram-se as quatro horas. E ela invadiu mais uma, só que pediu para o moreno, o mais afetivo e cuidadoso, ficar um pouco mais. Os outros se foram.
E depois de um banho cheio de carícias, os dois deitaram-se na cama. Ela colocou a cabeça naquele peito maravilhoso e descansou. Contou para ele do dia em que nasceu, que sua mãe quase a teve no ônibus. Depois comentou da frustração de nunca ter tido filhos. Confessou que viveu relações nada a ver... falou de si, de suas emoções e frustrações. E da morte, que chegava querendo levá-la para sempre, justo agora que se entendia como alguém capaz de pulsar.
O homem moreno estava emocionado. Beijou-a longamente. Perguntou se ela queria algo mais. E ela pediu apenas que ele permanecesse ali, e adormeceu.
Quando acordou, estava num lugar diferente, totalmente branco, cheio de luzes claras e um cheiro delicioso de dama-da-noite. Olhou-se e percebeu-se leve demais. Foi quando entendeu que seu dia tinha chegado. Que já não era aquela mulher nua e devassa, no motel, depois de uma suruba inesquecível. Virou alma. E olha só: ali não parecia o inferno... Apesar de todas as safadezas, ela tinha sido poupada. E só teve total certeza disso quando percebeu um vulto vindo em sua direção, sorriso maroto e olhar enigmático. Caramba! Era o moreno! Só que agora ele portava um par de asas enormes... sim, ali era o paraíso!

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