10 de maio de 2010

Da série Delírios Urbanos

Fadinha

Tem gente que me acha doidinha. Eu me acho. Você também?
Mas, não ligo. Achar é não ter certeza. Você tem? Eu, não. De nada, aliás.
De qualquer forma, quando vejo pessoas me olhando curiosas, penso que é meu cabelo curto.
Ou seria por que sou pequenina? E o tamanho menina não combina com os pés de galinha que já coleciono na minha cara? Maybe...
Quando ando com meu amor, de mãos dadas, muitos olham também.
Os dois carequinhas? Ele é bem mais bonito do que eu? Eu pareço menina para ele? Ele é garotão demais pra mim?
Não sei...só sei que olham e sempre olham, enquanto me divirto.
Outro dia fui chamada na rua. Senhora modesta, de roupinha século 19, perguntou, sem dar trégua: "Já te vi na televisão, não foi? Ah, vi. Vi, sim!"
E eu, que nunca me vi na televisão, pensei se tinha aparecido num programa qualquer.
Mas a senhora, pessoa distinta, afirmou convicta: "Você é a fadinha do Castelo Rá-tim-bum!"
"Fadinha?! Tem fadinha no castelo?"
"Ora", falou a senhora, distinta, mas indignada: "Claro! E mora no lustre!"
Tentei voltar pra casa voando...mas...nada. Fui de metrô mesmo. Morar no lustre deve ser incrível, mas quando aceso...será que fica mais quente que a linha verde do metrô?
E por aí vai. Sempre alguém me diz coisas engraçadas sobre mim mesma. Claro que isso deve acontecer com todo mundo. Mas só sei de mim, né? Então, repasso.
Já fui chamada de pedófila por outra senhora decente, que me interrogou quando me viu abraçada ao meu filho, conversando e rindo com ele. Pro menino, que tinha 13 anos na época, aquilo pareceu muito dantesco. Aliás, de cara, ele não entendeu por que a tal estava tão irada comigo. E quando expliquei, meu pequeno me elogiou: "Tá arrasando, hein, mãe?". Foi o suficiente pra eu desistir de ficar irritada com a ignorância da senhora distinta, pero no mucho.
E a vida segue... gente que passa, gente que fica... ontem um se foi. Meu tio, de 80 anos. As ironias que doem, às vezes: ele morreu e a mãe, com 96 anos, continua firme e forte, questionando: "Por que não eu?"
É... por que não eu? Para uma mãe, o filho morrer antes dela deve dar uma sensação de vazio incrível.
Bem maior do que aquele que dá ao parir e o útero, flácido, oco, incomodar a cada espirro.
A vida espirra e um morre ali, do nada. Ou morre depois de muito sofrimento.
De qualquer forma, é duro...muito duro mesmo.
Quando acordei hoje, senti que preciso estar mais viva. E desci a pé do metrô Clínicas até quase meu trabalho, que é longe. E gostei de andar no chuvisco e parar na padaria.
Observei tudo a minha volta e tudo fez mais sentido. Até saber que quem amo não está comigo. Está, não está, está, não está... que nem pisca de carro... porque ele só pode estar vez ou outra, já que mora em cidade outra, onde eu moro vez ou outra.
E nessa hora - que ele não está comigo - sinto de novo o útero vazio. Coisa doida, já que não tenho útero há um bom tempo.
Mas nem me abalo, porque sou a fadinha do Castelo. E observo tudo do lustre mais alto, num acende e apaga conforme minha temperatura pede.
O que importa, então, é que um dia, lá na frente - e quase à frente - também serei uma distinta senhora, sem papas na língua, a questionar tudo o que não me fizer sentido. É isso... porque o sem sentido é que tem tudo a ver.

*Imagem retirada do site do Castelo Ra-tim-bum