24 de maio de 2010

Da série Geometria

Despontas

Duas pontas se unem quando uma atrai a outra ou outra trai a primeira com uma terceira.
Pontas pontuadas, que se cutucam e se machucam, não têm cura. Precisam despontar radicalmente.
É dessas pontas que estou dando um jeito de me livrar. Você tem as suas, eu, as minhas.
Todos têm, nem adianta negar.
Tento arredondar pontas para ferir o menos possível, porque possível isso é.
A faca corta a carne como palavras ditas por língua rasteira.
Minhas pontas, armas brancas, tenho de encurvar e dar um jeito para que descansem,
como espadas guardadas para sempre no baú do espadachim aposentado.
Melhor assim, porque digo com graça o que qualquer desgraça mal dita arrasaria.
Quero pontas redondas... disso eu sei. Por isso, também, recolho meus dedos em riste.


Quadraúpede

Minha forma sempre foi quadrada. O que ficava era só o que se encaixava nela.
Não entravam círculos, nada que não se aformatasse em mim.
Pensamentos retos, sentimentos certos. Sem torto ou roto, muito menos rasgado.
Esguia seguia minha mente ereta, a espinha reta e o olhar num foco só.
Aprendi um só caminho, fiz da vida mão única e nunca misturei linhas paralelas,
porque estas nunca se cruzam, eu sei.
Aprendi e defendi que 2 e 2 são 4 e ai de quem tentasse mudar isso.
Cada I tem só um pingo e reticências têm três - veja: só três.
Assim, a vida era num ritmo compassado e limitado, eu sei.
Até que um dia eu ouvi um matemático dizer assim: 'todo quadrado é também um retângulo. Mas nem todo o retângulo é um quadrado'. PIREI!
Logo após a revelação, confesso, andei perdidinha em círculos.
Minha vida era uma rotação de 360 graus: começava e terminava no mesmo lugar.
Até que comecei a encontrar as metades, os meio termos, meio círculos, os mornos e não tão grandes, muito menos os extremamente pequenos, nem super fortes ou incrivelmente frágeis. Nem 8 ou 80... 40? 35,5?
Estou me temperando, em banho-maria, fôrma redonda com buraco no meio.

Triangulite

Não andava sozinha nem com pares. Só em três. Ela e mais dois ou duas.
Uma questão de equilíbrio. Cada vez o peso maior caia sobre um. Depois, revezavam.
Ela fez parte da tríplice aliança, andava só de triciclo e torceu pra seleção do Brasil até o tricampeonato.
Tinha sempre três pés de meia, três aneis, três namorados.
Casou e teve dois amantes ao mesmo tempo (um marido, dois amantes = três homens). Três filhos. Comprou uma casa com três cômodos.
E morreu com três facadas nas três primeiras costelas.
Triste...

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