4 de maio de 2010

Da série Voos

Ave, Mari!

Cheguei em casa e abri a porta como toda noite faço.
Mas a casa era outra: portas mais largas e teto mais alto.
O sofá me pareceu gigantesco e a mesa de centro quilométrica.
Olhei-me no espelho - enorme! - e me vi tão pequena, semente de gente espantada frente ao mundo muito maior do que acostumara.
Não quero grandes espaços, nem aberturas maiores do que a travessia me pede.
Procuro, agora, um ninho, quente e no tamanho,
enquanto espero o tempo certo para fortalecer as asas
e alçar, enfim, meu vôo, ave ávida à vida.


Altura

Você é como eu, que quando está em um lugar alto, ao olhar pra baixo, acha que vai se jogar?
Sempre tive essa sensação louca e se não saisse logo dali, parecia que me atiraria de cabeça.
Sei que não ia, mas só de sentir a aflição de quem se atira, me dava vertigem.
Também não sou fã de aviões - não quando estou dentro deles.
Se tenho de usá-los, fazer o quê? Mas se não precisar, melhor pra mim, e pros meus nervos à flor da pele branca.
Eu queria parar de ter essa sensação boba de que as alturas me puxam pra baixo.
Elas deviam me querer lá em cima, olhando tudo de um ângulo outro, em que as coisas ficam do tamanho que devem ter.
Flutuar livre e leve, solta e pronta para fazer da sensação algo real.
Atirar-me de lá, cair em pé e dar risada de mim mesma, por passar tanto tempo a olhar o mundo, presa às redes de proteção.


Pés soltos

Não quero mais comandar meus pés.
Vou deixar que me levem. Seguirei-os sem qualquer resistência.
Imaginou isso? A hora que bater, eles decidem caminhar.
Eu, dormindo, e andando pelas ruas vazias de meu bairro residencial.
Acordo com frio nos ditos e me percebo atravessando uma avenida super movimentada.
Meus pés são como os cães viralatas que se baseiam em sei lá o que para atravessar a rua, sem ser atropelados - pelo menos em grande parte das vezes.
Depois, sentada em minha mesa de trabalho, com prazo para cumprir um trabalho urgente, eles me levantam e me levam para passear no parque ali perto.
Aceleram para eu trotar e não ficar com a bunda eternamente sentada na cadeira, sem tempo para fazer o xixi básico de cada dia.
Na chuva, eles desaceleram, esperando que a água caia em minha cabeça e refresque as ideias - isto urge!
Ou, ainda, na hora em que encontro, sem querer, aquela pessoa mega desagradável... eles correm, sem parar, sem me deixar, sequer, pedir desculpas e explicar ao ser pentelho que não os comando mais.
Pois que me levem. Preciso aprender a andar.


Dois pra lá, dois pra cá

Casei e isso significa que não estou mais só.
Porém, estar com alguém não é simplesmente estar com alguém.
É preciso ritmo. Não o mesmo, mas um que combine bem com o outro.
Enquanto um levanta, o outro senta. Opostos? Nada! É sintonia plena.
Um dorme até tarde e o outro madruga, mas sempre abraçados a noite inteira.
Um come depressa, misturando tudo, e o outro devagar, separando as coisas no prato.
No entanto, a escolha do que comer é puro consenso.
Eu adoro deitar no colo. Ele adora ceder seu colo.
Eu gosto de tomar banho morno. Ele já gosta da água mais fria.
Um deixa a temperatura do chuveiro ajustada para o outro, depois que acaba seu banho.
Os olhos deles são azuis e os meus castanhos. Ficam todos verdes quando nossos olhares se encontram.
O que temos em comum, que é igualzinho mesmo, é um desejo danado de que a gente dê certo.
E enquanto a vida vai descortinando para nós as mútuas descobertas, ele apaga a luz para dormirmos só depois que percebe que estou pronta. Porque ele sabe me perceber e eu sei mostrar para ele como me sinto.

Um comentário:

Tita disse...

gostei dos pés e das alturas!