2 de outubro de 2012

Da série Se toca


E o prêmio vai para...
A cidade pequena andava no maior agito. Surgiu, do nada, um sujeito que, como dizem por aí, ‘causava’.
Nunca ninguém o vira antes. Mas, de repente, ele começou a frequentar ruas, bares, praças... E tinha gente que se pelava de medo. Não porque era feio ou ameaçador. Mas, porque ele abordava algumas pessoas e entregava medalhas. Isso mesmo: medalhas!
Tudo começou com um rapaz, no seu carro, parado no semáforo, com aqueles canhões e alto-falantes que fazem a rua tremer. O som no último volume: “Tchatchatchu... tchatchu...”. O sujeito misterioso parou ao lado, de bicicleta, e entregou uma medalha. Num megafone mandou ver: “Você venceu dois concursos: ‘ Meu Ouvido Não é Pinico’ e ’Gosto de Escolher as Músicas que Escuto’”. E sumiu rua abaixo.
No dia seguinte, na praça, uma moça comia pipoca e, ao terminar, jogou o saquinho no chão. O sujeito estranho desceu de uma árvore e quase matou a coitada de susto: “Primeiro lugar no concurso ‘Minha Cidade não é Seu Chiqueiro’”. Entregou a medalha, guardou o megafone nas costas e escalou a árvore, sumindo entre os galhos.
No mesmo dia, um carro parou em fila dupla, numa rua bem movimentada, para esperar sei lá quem. O misterioso do megafone, montado em um skate, chegou junto, enquanto uma fila de carros se formava atrás do veículo. “Parabéns! O prêmio de hoje é seu, na categoria ‘Só Não é Mais Folgado Por Falta de Espaço’”. Entregou a medalha ao premiado - que estava boquiaberto -, e desceu a ladeira.
Numa manhã, um grupo de pessoas esperava, em uma esquina, uma boa alma motorizada parar para atravessar a rua, na faixa de segurança. Nem deu tempo de arriscar-se entre os carros. O sujeito das medalhas surgiu do asfalto, parou em cima da passagem de pedestres, fazendo os carros brecarem. “Que beleza! Prêmio coletivo! Categoria ‘Um Dia Você Foi Pedestre, Mas Mesmo Assim Não Aprendeu Nada’”. Fez uma distribuição geral de medalhes e sumiu por um bueiro – pelo menos é o que dizem.
As premiações aconteciam em diversas situações: gente folgada que fura a fila; que deixa resto de móveis e coisas do tipo em terrenos baldios ou nas calçadas; pessoas que largam carrinhos de supermercado nas vagas de estacionar (para essa categoria, não havia medalhas que dessem conta!); motoristas que param nas vagas de idosos ou de portadores de deficiência, sem ser um, muito menos o outro; cidadãos que dirigem falando ao celular...
Todo mundo naquela cidade, uma hora ou outra, acabou recebendo uma medalha.
Mas, as coisas estavam diferentes. A sensação geral é que a vida era mais gostosa, as pessoas sentiam-se bem, próximas... nem parecia a mesma cidade.
Até que um dia, o tal homem misterioso fez chegar a cada cidadão um convite para estar no Parque em determinado horário, no final da tarde.
Todos foram e admiraram-se porque o local parecia bem maior, já que acolheu milhares de habitantes.
Ao fundo, uma música soava calmamente, daquelas que dá vontade de escutar para sempre.
O sujeito apareceu, sem ninguém saber de onde, e se colocou no centro da multidão, sobre uma enorme pedra.
Não disse nada. Uma medalha apareceu no pescoço de cada cidadão. Nela estava escrita a mesma mensagem.  “Primeiro lugar na categoria ‘Até que enfim caiu a ficha!’”.
A música aumentou, um cheiro de flores invadiu o lugar e o tal sujeito deixou suas enormes asas rasgarem o casaco, tomando impulso e voando em direção a Lua, que começava a aparecer no horizonte.
Muitos dizem que foi um delírio coletivo. Pode ser que sim, pode ser que não. Tanto faz. Porque alguma coisa, de verdade, mudou ali.

Um comentário:

Julieta disse...

Adorei. Bjs.