13 de agosto de 2009

Da série Conversas com o ego

Tédio
Engraçado como as coisas são... e, de repente, não são mais.
Aquele cara que fazia a sua cabeça girar e o coração palpitar como bumbo de fanfarra,
num piscar de (outros) olhos torna-se o mais comum e sem graça dos seres e o menos provável a habitar a sua casa ou deitar-se na sua cama.
O emprego dos seus sonhos, com o super salário, desafios mil, chefe bacana vira uma chatice cotidiana que só desce mesmo, garganta abaixo, porque você precisa viver e isso pressupõe a grana todo mês na sua conta.
A casa mais que maravilhosa, que há alguns anos você suou pra comprar e se contorceu para decorar, parece tão mesma-coisa-todo-dia-no-mesmo-lugar, que sair e bater a porta atrás de si chega a ser um alívio.
E o carro, então? Modelo cobiçado nas fotos da 4 Rodas, que você adquiriu por meio do plano 36 meses, sem juros. No segundo ano você questiona o que mesmo tinha de tão legal nele, já que nos mega congestionamentos que enfrenta todos os carros parecem igualmente imóveis e parados.
Tem também aquela roupa, que piscava pra você sempre que passava na frente da vitrine. Mas as prioridades eram tantas, que ela ficou por tempos a sua espera. Até que, num ímpeto de loucura – e de conta mais que estourada –, você vai lá e compra a tal. Demora um tempo pra arranjar oportunidade de usá-la. E quando aparece a chance... caramba: não combina nada com você.
Mais esta: na adolescência, você se debulhou em lágrimas ao assistir Horizonte Perdido ou mesmo Love Story. Quiçá Romeu e Julieta. E decretou que estes seriam os filmes da sua vida. Hoje você aluga o DVD na locadora do bairro, senta frente à TV, munida de muita pipoca e lenço de papel, e descobre que esses clássicos não têm mais qualquer sentido. Nem consegue assisti-los até o final, tamanha chatice.
Pra encerrar, você salivava as pampas toda vez que pensava em pudim de leite condensado. Coisa boa que te acompanhou da infância à juventude. Agora é o doce que menos te atrai e que você, no mínimo, acha super enjoativo.
O que foi feito de você, daquilo tudo que antes te mobilizava e fazia se sentir especial?
E o que está agora nesse lugar, que mais parece o de um ancião de pijama de flanela e pantufas de lã, a vagar pela casa sem encontrar qualquer sentido para acordar no outro dia, mastigando a dentadura larga que não se ajusta à boca?
Posso estar sendo dramática demais, eu sei. Porém, devo confessar que às vezes alguma coisa assim bate na minha vida e fico com medo. Medo de não me encontrar mais no que hoje sou...

Des-paixão

-- Meu coração anda cabisbaixo.
-- Mas isso é possível?
-- Pro meu é.
-- E tá assim por quê?
-- Sei lá... acho que porque ele nunca mais saiu do compasso.
Fica no mesmo e sem graça tum-tum-tum.... 78 batidas por minuto.
-- Poxa! Isso é ruim?
-- Depende do ponto de vista. Acho que para ele é, sim.
-- Tadinho...
-- Pois é... nunca mais eu olhei para alguém e senti meu coração palpitar, o suor encharcar as mãos e a respiração acelerar um bocado, sabe?
-- Sei...entendo.
-- Ando querendo me convencer que talvez o calmo, o menos inesperado, o comum seja melhor, mais fácil de levar...
-- E?
-- Nem eu, nem meu coração se convencem disso. Porque ambos queríamos voltar a vibrar.
-- Imagino...
-- Sentir saudade sufocante, ter insônia, gaguejar ao falar dessa paixão, pensar e fazer loucuras, chorar de tristeza por levar um fora, levantar o moral porque o amado olhou pra mim...
-- Sim... sim...
-- Mas nada disso tem acontecido. Nada. E fico muito preocupada...
-- É? Mas preocupada com o que, exatamente.
-- Sei lá... acho que temo que meu coração morra antes de mim.

Um comentário:

Anônimo disse...

*MARI*MARI...deliciosos teus textos,focalizam o quanto há de terrível e banal nas nossas vidas, com seus sonhos e ideais de consumo doentio, desprovidos de qquer. bom senso menos materialista, e o qto. somos (a maioria!!) tão hedonistas... provocaram-me reflexões impertinentes e absolutamente necessárias e ADOREI! PARABÉNS pela 'lucidez', AMIGA* (e.mazzei*)