24 de outubro de 2009

Da série Rapidinhas Urbanas

Pra onde?

Na esquina, a seta humana indica, num balanço em vai e vem:
140 metros quadrados, duas suítes, três vagas.
Na esquina seguinte, outra: 98 metros quadrados, 2 dormitórios (terceiro reversível). Dou voltas em busca da minha seta, que indique para onde devo levar esse desejo louco, que não cabe mais em mim.

Controlar

Fica decretado que todo namorado, nascido antes de 1962,
deve fazer uma inspeção ventricular.
Para ver se o coração é esperto, se a mente é  aberta
e a espinha ereta - porque, o mais, eu ajudo a ajustar.

Integração

Peguei o ônibus, entrei no trem e fiz baldeação no metrô.
Vida louca é essa que,sobre rodas e trilhos, me leva a todo canto,
menos à menor esquina de mim, onde ainda guardo segredos,
que desconheço. Um buraco que se abriu. Minha obra interrompida...

Fast food

De bandeja, te dou carne de primeira, pele macia, músculos bem feitos.
Falta, eu sei, a proteína que alimente o teu querer-me.
Mas não se avexe. Estou dando um jeito.
Você terá direito de servir-se à vontade. Garanto suco fresco
e deliciosa sobremesa: amor e sexo com calda de chocolate.

Caminhada no parque

Entre crianças correndo e cachorros na coleira,
vejo você surgir na multidão, em passadas largas.
Suor escorrendo nas faces, nos ombros morenos e pernas torneadas.
Queria, pois, ser uma gota, a percorrer teus músculos e pelos,
lambendo cada pedacinho seu, gosto salgado de quero mais.
Te vejo, então, na próxima volta. Quem sabe aí nos cruzemos?

Sessão das 10

Na fila infinda do cinema mais badalado
rostos-cabeça, que só curtem Almodovar,
me lembram um tempo em que o máximo era amar Fellini.
Sentia-me idiota. Nunca entendi seus filmes, nos meus 18 anos.
Permaneço idiota aos 47, porque não quero mais entendê-los.
Mas agora posso. Tenho esse direito. Porque amadureci.

Cegueira no parque

-- Manhê?! Ó o cacholo pequeno!!!
-- Mãnhê?! Ó o passalinho!!!
-- Mã?! Ó a forzinha!!!
-- Mã?! Ó o patinhu!!!
Sei que já fui assim um dia, quando tudo era especialmente lindo.
Só não consigo me lembrar onde abandonei esse olhar...

Há vida em Mari

Uma cena, também no parque, me comove tanto que quase deixo os olhos chorarem.
A idosa - bem idosa mesmo - na cadeira de rodas, parada sob a árvore, fazendo tricô.
O esposo - tão idoso quanto - sentado no banco, em frente a ela, massageando os pés de sua amada.
Acho que minhas sensações e sentimentos estão vivinhos. Só mudaram de lugar...

Incoerências confusas

O lava-rápido leva 40 minutos pra deixar um carro pronto.
O caixa eletrônico engole o cartão magnético - no sábado, quando não tem expediente bancário (nem no domingo, cacete!).
No happy hour pra relaxar, o assunto é o trabalho.
Os idosos sobem pela frente, descem pela frente e ficam de frente, em pé.
Fumantes só podem ficar na rua. Os bêbados permanecem nos bares.
Na primavera faz frio, o inverno é quente e pouco se sabe do outono.
A virada do ano é estressante, na estrada engarrafada, nas filas de pão e sem água.
(Mas a praia permanece lá, graças a Deus!)
Tem rodízio de carros, aumento de pistas nas marginais, só falta mesmo organizar a bagunça.
Os caminhões não circulam mais, os fretados também....
Também não tenho conseguido circular: só em primeira e segunda.
O primeiro panetone é vendido em setembro, a decoração do shopping fica pronta em outubro, mas o Natal continua acontecendo dezembro.
Odeio e amo esta cidade... incoerência danada!

Um comentário:

Tita disse...

Mari,
Tá cada vez melhor. Esses estão demais de bons. Parabéns. E parabéns de novo e mais uma vez.
Cris
P.S: De minha parte só quero happy hour falando bobagem,encontrar lugar pro meu desejo, quem sabe um corpo preu virar suor.
Adorei!