8 de dezembro de 2009

Da série Desabafo


Enchente-me
Falar do caos que hoje assolou a cidade de São Paulo é chover no molhado... mesmo.
Tentei evitar porque o tema transborda nos noticiários e nos milhares de blogs.
Mas quem sou eu para ter a pretensão de ficar calada como se estivesse saído seca de tudo isso?
Pois então, abra seu guarda-chuva porque eu vou despejar as três horas e meia que levei de casa ao trabalho, pela manhã.
Vou confessar que fui alertada pela minha cunhada e por uma colega, mas sou paulista, e a teimosia me parece característica desse povo - ou dos que estavam ali, comigo, paralisados no trânsito, como ilhas cercadas de água por todos os lados.
Fui 'me achando' pela avenida 23 de maio, que fluia bem, como os dias normais quando algumas gotas caem por aqui.
Estava mesmo acreditando que chegaria no trampo em pouco tempo, ilesa.
Santa ingenuidade! Mas pra quem achou que o Palmeiras ainda seria campeão... até que isso foi suave.
Depois da fluidez na avenida deparo-me com o mega congestionamento na avenida Tiradentes. Como eu queria ter uma corda para enforcar o povo mal educado que, nem em situações assim, de total desespero, é solidário... eta gente egoista - mais uma característica deste povo ou da humanidade em geral... essa reflexão eu faço depois.
Enfim... na indecisão de que caminho seguir, já que nenhum deles andava, fui pela maioria e me lembrei da tal peça que assisti -  A Alma Imoral - em que a atriz fala que a unanimidade é burra. Acho que a maioria também...
Comecei a ficar com uma vontade danada de fazer xixi. Afinal, estava há uma hora e meia nesse exercício de engatar primeira, acelerar, segunda e parar. Primeira, acelerar, segunda e parar....
E aquela água caindo sem dó nem piedade... é como sonhar com torneira aberta e acordar com a cama molhada.
Mas me concentrei para não me irritar, nem mijar no carro.
Quando fiquei parada em cima da ponte sobre oTietê, percebi uma certa movimentação, não de carros, mas das pessoas. Elas saiam para fotografar o rio que havia tomado conta de todas as pistas da Marginal. Um show de coisas boiando e de uma destruição sem fim.
Lembrei que tem a tal teoria do fim do mundo em 2012. Talvez hoje tenha sido o aperitivo.
No próximo capítulo - ou dilúvio - capaz de eu emparelhar meu carro com o do Tom Cruise e ele me salvar de afogar-me nas garrafas pets, pneus de carro, restos de móveis, sacos plásticos e outras cositas que convivem com as águas do poluído rio.
Passei da ponte e tracei um caminho imaginário que talvez pudesse me levar ao destino. Mas no meio do meu caminho havia uma poça gigante... e eu não quis nem saber a continuação do verso. Seguindo alguns trouxas - só que estes com carros bem maiores que meu celtinha meia boca - encarei a poça e estava comemorando minha vitória por ter passado por ela, não sem antes patinar e cair num buraco, quando vi fumaça saindo do capô. MELECA!
Parei o carro, liguei o pisca alerta, telefonei pro seguro, pedi um mecânico...'ai, meu saco! Perdi o motor!', era a frase que se repetia na minha cabeça dura.
Mas respirei fundo... e quase não voltei a respirar quando a atendente do outro lado me avisou que a previsão da chegada do socorro era de 180 minutos. Eu não sei qual o objetivo de falar 180 minutos no lugar de três horas. Talvez ela tivesse a esperança de eu ter faltado nessa aula e não soubesse converter minutos. Já fui decidindo: 'pode suspender. Vou dar outro jeito!'
Nem sei porque disse aquilo. Que jeito eu daria? Mas não sou de me entregar na primeira, nem na segunda... e tomara que não venha uma terceira, porque aí eu não sei de mim.
Sai do carro de guarda-chuva em punho. Fui procurar um mecãnico na rua. Ainda tive de ouvir gracinhas de uns caras na porta de um boteco. O mecânico falou que não podia ir comigo até o carro porque estava sozinho: 'Sabe como é, madame... ninguém conseguiu chegar ainda'. Ao que eu respondi: 'Eu também não'.
Mas ele me acalmou. Porque eu contei que, depois que desliguei o carro, liguei de novo, fiz uma manobra para tirá-lo do caminho e ele, tadinho, me obedeceu.
'Não deve ser nada grave. Se tivesse entrado água na rebimboca da parafuseta, do cabeçote da tala inferior da emenda estática do propulsor paralelo, seu carro nem gemia mais'. Ufa! Ele está vivo!
Voltei ao local onde deixei meu super potente. E o cara que me observava desde quando parei por lá, o segurança do estacionamento, veio me perguntar porque eu não levava o carro até a mecãnica da Chevrolet, bem ali, na esquina.
Era como se o portal mágico se abrisse, um clarão cor de rosa pintasse o cenário cinza e o sol surgisse por detrás do Campo de Marte, encobrindo todas as nuvens. 'A mecânica da Chevrolet é aqui?!?!?!'
E o cara, meio assustado com meu repentino entusiasmo histérico, murmurou: 'É, sim senhora...'
Liguei o carro - que respondeu normalmente - e fui até lá. Expliquei tudo. O jovem mecânico, alguns anos mais velho que meu filho, depois de verificar o motor e me dizer que não tinha acontecido nada ('a água bateu no carburador, estava quente e a fumaça que a senhora viu foi disso...'), encarou-me seriamente e, com o dedinho quase que em riste, me deu uma bela chamada: 'A senhora nunca mais faça isso, de entrar na enchete, hein? Pode perder o motor!' Respondi que tinha aprendido a lição e supliquei pelo toalete, porque me dei conta que estava quase explodindo.
Voltei à jornada até o trabalho... feliz porque, no fim, minha cagada não tinha sido uma cagada. Eu tenho a força!!! Venci a chuva, a poça gigante com seus buracos sugadores, o trânsito, o seguro 180 minutos, os caras babacas do bar....
Demorei mais 40 minutos para um percurso que levaria 10, mas tudo bem! Tinha vivido a redenção.
Cheguei no trabalho quase ao meio dia. Foi uma tarde proveitosa de labuta... afinal, eu sou eu e o resto é resto...
Na hora de ir embora, quando fomos liberados um pouco mais cedo para evitar a bagunça do rush, fui saltitante para o estacionamento. Afinal, por caminhos tortos e longos, tudo acabou dando mais que certo.
O manobrista trouxe meu carro e, antes que eu engatasse a marcha para subir a rampa, uma colega de trabalho, que entrava a pé no estacionamento, me chamou para comentar alguma coisa. Respondi e sai em primeira, dando impulso para pegar força na subida. Só ouvi um rasgar de lataria que arrepiou até os meus cerebelos... Caraca! Distrai-me na conversa e esqueci de virar a direção o suficiente, ralando na parede a lateral de meu super potente.
Caem o pano e os meus super poderes...
Alguém conhece um bom funileiro?

Participação especial do personagem Ran, de Salvador Messina.

4 comentários:

Salvador disse...

dia difícil...hein?!
mas já passou.
e espero q esteja tudo bem...tiRANdo a lataria.
=)

Anônimo disse...

maricota de deus... naquele dia, eu ficava pensando, em casa 'hj seria aquele dia que não daria pra ter chegado em santana...' - isso porque tinha ouvido que até o 'champ de mars' estava inundado... e vc, marimaluquete... perdida no meio das águas???? tadinha da minha amiga... o texto está ótimo de ler, apesar de tudo... beijocas. cléo.

Anônimo disse...

Po Mari, que perrengue heim meu!
Legal o texto mas lamento pela lataria do celtinha.
Bjs,
Ale

Ademir disse...

Olá Mari,

Escritor(a) é assim mesmo: faz de desgraça literatura... Se bem que, pensando bem, desgraça é coisa bem pior.
Mas, de qualquer maneira, escrever é a arte da transformação. O que, para uns, é apenas um mau dia, para outros acaba virando um texto gostoso de ler (que é justamente este caso). Parabéns!
(se tiver um tempinho, pode "caçar" no meu blog o texto "Paranapi... Será que... Acaba?". Assim como este seu, também é totalmente baseado em fatos reais (até parece que o destino brinca com a gente, fazendo acontecer coisas à nossa volta para que possamos contar...).
Grande abraço!

Ademir