20 de maio de 2011

Da série Anatomia

Bate boca

Na minha boca cabe mais que dentes.
Ah...tem também a língua. As amígdalas se foram na infância. Mas já couberam lá.
Da minha boca disparo palavras que nem sempre acolhem. Ao contrário, agridem, machucam, ardem. É quando faço dela minha metralhadora - mas não me orgulho disso.
Mas minha boca, ora suja, ora limpa, também se delicia com risadas, escancara a minha alegria.
Dessa boca eu gosto. Mas como tudo, ela não consegue ser assim o tempo todo.
Sofre e enruga-se para conter a angústia. Solta assobios para despistar tristezas.
E no fundo, bem lá no fundo da garganta, engasga-se quando quem ama vai embora ou fica mudo. E é aí que ela se contorce e abre o maior berreiro...

Batatinha

Meu nariz é de batata. E fica frio quando a temperatura cai.
A ponta avermelha-se e me entrega se eu choro.
Também empina-se se fico brava e quero partir pro ataque.
As narinas se falam quando o odor tenta invadí-las, porque são muito sensíveis aos cheiros.
De longe sinto quem vem chegando e às vezes corro para ver porque está saindo.
Meu nariz é mágico e impede que eu me resfrie. Há anos isso não acontece.
Por isso eu respeito demais essa batatinha que decora o meio da minha cara e me faz sorrir quando olho no espelho, achando engraçado um nariz assim para alguém que não curte batata frita. Nada a ver? Você é que pensa!

Enrugamento

Minha pele não é mais a mesma. Quem me vê diz que ainda está bonita. Mas só eu sei olhar-me do jeito certo, mesmo sendo míope.
Se puxo a pele pra cima, ela demora a retornar ao repouso. Espreguiça-se antes disso.
Anos atrás, nem dava tempo de vê-la subir e descer, de tão durinha que se apresentava, resistindo bravamente ao meu puxão.
Ela enruga com mais facilidade e ai de mim se esqueço de passar um hidratante. Como que revoltada pelo meu descuido, escama-se toda.
Eu era aquela que vez ou outra ficava com os nervos à flor da pele. Hoje os meus nervos estão da cor da pele...

Ensaboada

Sempre achei engraçado dar o nome de saboneteiras aos ossos dos ombros.
Mas sabia que ali caberia um Palmollive (da minha época de menina moça).
Elas continuam aqui, e acho que hoje caberia um Dove também.
E são delas que mais gosto em mim... também curto o colo, mas aquele que fica no pescoço - outra coisa que sempre achei engraçada.
Nesse colo deixo descansar pingentes, que se penduram tranquilos, balançando de lá para cá.
Nas saboneteiras deposito o meu cansaço - que os ombros não conseguem mais carregar -, para ensaboá-lo e deixá-lo tinindo... aí é só seguir em frente.

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