15 de dezembro de 2011

Da série Ciclo

Por quem os sinos dobram?

De novo é Natal.
Por alguns dias o mundo fica menos imundo.
Mas aproveitem, porque passa rápido.
Não que tudo mude, mas esse tudo cabe embaixo do tapete.
As mentes mentem menos. Os sem caráter usam máscaras.
Mas, aproveitem! É só por alguns dias!
Depois, tudo volta ao seu lugar desarrumado.
As roubalheiras continuarão, assim como a falta de compaixão e crueldade.
Sacanagens, falta de ética, injustiças, preconceito, violência....
É assim o ciclo. Então, me pergunto: por quem os sinos dobram?
Mas, quando as badaladas se encerrarem, retornaremos à paciente hipocresia de reler nas manchetes tudo de novo, sem pontos ou vírgulas outros, num repeteco massificante.
Até quando? Até o próximo Natal.
Então, aproveite... são só alguns dias... enquanto os sinos tocam.

23 de outubro de 2011

Da série Reflexões

Juventude

Vai demorar pra você descobrir que já fui. Por teimosia sua.
Primeiro vem a negação, tentativas de simular que estou contigo.
Mas, não é mais assim. Entenda!
Você devia aceitar. É mais digno.
Porque no meu lugar não fica o vazio, mas tanta coisa aprendida, tantos momentos especiais... que não caberão nesse seu velho corpo, mas me farão companhia em sua alma, onde agora resido. Para sempre.

Da série Impressões

Cheiro verde

Aqui a chuva cheira tão forte que engana os passarinhos.
Pensam que sempre é Primavera, porque o mato e as flores são perfumes dos temporais.
Perdem-se entre as gotas, ora ralas, da garoa, ora intensas, lágrimas que a Natureza despenca, sem qualquer pudor.
E a vida segue nesse aroma que dispensa perfumes outros.
Cheiro de tarde eterna e noite lenta, cravada de pontinhos brilhantes, amaciantes do firmamento.

12 de agosto de 2011

Da série Impressões

Duas faces

Hoje dei de cara com as caras da cidade grande.
Estranhas... não sei explicar... sei que me intimidaram.
Porque ando agora com cara de 'bom dia!', 'tá servido?',
'o que você tem feito?'
Minha cara ficou com receio de puxar papo com aquelas caras.
Talvez achassem que eu fosse cara de pau, doida ou algo assim.
Aliás, era dessa forma que a minha cara, quando não era esta de agora,
pensava de caras como a que hoje eu trago no rosto.
Gosto mais desta minha, mais cara que coroa, que não dá a outra face
e adora uma careta.

3 de agosto de 2011

Da série Reflexões

Que ladeira é essa?

Na minha rua tinha uma ladeira e-norrrr-me!
As primeiras vezes que subi por ela, no meio do caminho minha língua ficava de fora.
E precisei da haste de minha bandeira para servir de apoio.
Subi mais vezes a mesma ladeira, enorme.
Língua de fora, mas só depois que já estava no topo, fincando a minha bandeira.
Hoje subo a ladeira, sem língua de fora, sem fincar bandeira - perdeu a graça.
Ando na dúvida... venci a ladeira ou minha língua encolheu?

30 de julho de 2011

Da série #semdesperdício

RH+

O cara era super hiper positivo. Daquele pra cima mesmo.
Até o tipo de sangue: A+, raro, porque raro é quem vive 24 horas acreditando que tudo vai dar certo, até nos sonhos. "Pesadelo?", dizia. "Não tenho disso, não. Pode até começar mal, mas no fim acaba tudo em paz".
Ele afirmava que não estava neste mundo por qualquer coisa. Queria o melhor.
Segundo Zeca Positivo (apelido carinhoso que ganhou dos amigos), não tem sentido deixar cair a gota fora do balde, porque ela se perde e não tem como recuperá-la. Nem o vacilo da piscada num segundo, porque ele também não volta mais. É aquela piscada ou será outra, completamente nova.
Zeca P. tinha frases que as pessoas acabavam tomando para si. Algumas viraram parachoque de caminhão. Outras estão grafadas em cartões de parabenização ou enfeitam geladeiras, em forma de ímãs.
O chinês do bairro pegou as frases mais impactantes para colocar no biscoitinho da sorte.
Coisas como: "Se você acha que hoje o dia está ruim, pensa que só você tem poder de mudá-lo"; "Não desperdice o dia vivendo-o como se fosse noite. Brilha logo porque até pão embolora se não recebe luz"; "Sem essa de que andar só é melhor do que mal acompanhado. Será que você é uma boa companhia?"
E daí por diante.
Virou profeta, ídolo, pai de santo, padre, pastor... davam para ele tudo o que era título. Mas ele sorria, balançava a cabeça e dizia sempre a mesma coisa: "Sou o que você queria ser, mas ainda não se deu conta, não".
Um dia, uma onda de azar caiu sobre a vida de Zé Positivo. Um incêndio acabou com sua casa e seu carro.
No trabalho, a empresa para qual trabalhava decretou falência e ele não recebeu nada quando dispensado. A esposa, que não era tão positiva assim, acabou adoecendo diante da pressão e faleceu, vítima de problemas no coração.
O filho, único, não aguentou a barra. Arrumou o pouco que tinha e foi viver com amigos numa comunidade alternativa.
O cachorro fugiu. O dinheiro acabou...
Tudo isso em menos de um mês.
As pessoas que diziam conhecer o Zeca Positivo faziam suas previsões: "Ele não vai dar conta!"; "Lá se foi o otimismo do nosso amigo!"; "Agora o Zeca vai saber o que é sofrer porque nem tudo dá certo mesmo".
Eu, como você que me lê, conheço pouco do Zeca, mas somos espertos o bastante para saber que ele não desistiu e que o pessimismo nem passou perto.
Zeca não foi visto mais por aqueles de sempre. O último que cruzou com ele relata que nosso amigo subiu num caminhão que tinha esta frase no parachoque: "Vou nessa,
porque não é todo dia que a vida passa a régua e deixa tudo começar de novo".

31 de maio de 2011

Da série Fretado

Ronco do além

No começo, as coisas eram normais.
A mesma rotina naquela cidade do interior de São Paulo. Pegar o fretado às 6h45, colocar os tampões de ouvido, cobrir-se com uma mantinha estratégica (deixada no banco para as madrugadas frias), esperar a última pessoa embarcar - o que acontecia ainda na estrada - e cair em sono profundo.
No entanto, alguns acontecimentos inusitados começaram a chamar a atenção.
Tudo começou numa madrugada de lua cheia com a estreia de um novo ocupante do fretado.
O homem alto, forte, que atravessava o corredor como sombra, tamanho silêncio, sentava na sua poltrona sozinho. De tão grande, ninguém ousava espremer-se ao seu lado.
Não passavam 5 minutos e o ronco começava. Tímido, ao longe...depois ia tomando volume, com altos e baixos, mesclados a engasgos e assobios curtos.
Era mesmo assustador, porque nem com tapa ouvido ficava-se imune àquele ronronar que chegava a arrepiar a sobrancelha.
Os demais viajantes mexiam-se nas poltronas, em vão, porque qualquer posição não os livrava do trovão agargantado do homenzarrão da estrada.
Depois que o indivíduo descia do ônibus, alguns "ahhh..." baixinhos, em coro, escapavam dos ocupantes. Era um alívio tamanho, que até conseguiam aproveitar os últimos minutos de viagem num cochilo.
E assim foi. As olheiras aumentavam nos frequentadores do fretado. Percebia-se claramente, desde a chegada do roncador, a exaustão e a intolerância crescendo nas pessoas.
Era chegar no ponto onde o fulano subia que o incômodo batia e por pouco não virava uma vaia.
Um dia, no entanto, o roncador subiu. Sentou-se e, embora todos estivessem atentos ao primeiro ronronar, este não veio. Silêncio. Total.
Causou estranheza. Mas todos acabaram por dormir tranquilamente. O motorista também dava suas cochiladas e era acordado por buzinas de carros ao lado ou solavancos dos pneus que saiam para fora da pista.
Foi nessa manhã que aconteceu. Era possível sentir que algo ou alguém vagava pelo corredor do fretado, mas muito mais pela brisa fria que batia do que por algum barulho ou vulto. E a sonolência era tamanha que ninguém, mesmo tendo essa sensação, conseguia abrir as pálpebras.
Assim que o sujeito desceu, o sono passou, todo mundo acordou, mas alguma coisa estava diferente.
Durante o expediente de trabalho, um ou outro sentiu cansaço extremo. Marquinhas sutis no pescoço também foram percebidas por dois a três ocupantes do ônibus.
Até que, numa das vezes, também na lua cheia, um dos passageiros, muito intrigado com as sensações que se repetiam, resolveu usar um truque: pegou o ônibus depois de todo mundo, já quase na entrada da cidade de destino. Foi então que descobriu o mistério. Aquele tal indivíduo estava debruçado sobre uma senhora, chupando o pescoço da coitada. Pego no flagra!
O vampiro do fretado balbuciou alguma coisa para justificar-se, mas o que subiu por último ficou tão perplexo que sentou na sua poltrona para pensar o que fazer com o que tinha visto. Nem deu tempo... o roncador atacou o infeliz e não deixou sobrar nada.
No fim de semana, o pessoal da limpeza achou uma dentadura em baixo de um banco e deixou na garagem, para que o dono a encontrasse. Mas ninguém jamais deu queixa...
Os meses se passaram. Os passageiros daquele fretado estavam cada dia mais fracos, brancos, exaustos e estranhos.
Até que o indivíduo sumiu. Aliás, para o azar da empresa do fretado, não pagou a mensalidade. Maior calote.
Dias depois, o motorista, único poupado da chacina vampiresca, levou um susto... ele estranhou um forte barulho na cabine dos passageiros. Acendeu e apagou a luz interna, para avisar o coordenador do ônibus que precisava dele na frente. Mas ninguém apareceu.
Parou no acostamento e abriu a porta que o separava dos passageiros. Todos, sem exceção, roncavam fortemente, como motor de caminhão que abriu o bico, expondo os dentes caninos afiados e enormes.
"Cruz credo minha santíssima", correu para a direção e saiu em disparada, engatando uma primeira arranhada... mas perdeu o controle do veículo, atravessou a pista e derrubou o portão do cemitério, desmaiando sobre o volante.
Não me perguntem o que aconteceu... eu não sei. O que contam é que os passageiros, um a um, também abandonaram o fretado. Alguns perambulam à beira da estrada, aguardando ônibus de outras linhas.
E a dentadura? A do pobre homem que pegou o vampiro de jeito? Sumiu da garagem... foi vista enlouquecida, em disparada, correndo atrás do motorista, mais ou menos na divisa de Goiás com Tocantins.

20 de maio de 2011

Da série Anatomia

Bate boca

Na minha boca cabe mais que dentes.
Ah...tem também a língua. As amígdalas se foram na infância. Mas já couberam lá.
Da minha boca disparo palavras que nem sempre acolhem. Ao contrário, agridem, machucam, ardem. É quando faço dela minha metralhadora - mas não me orgulho disso.
Mas minha boca, ora suja, ora limpa, também se delicia com risadas, escancara a minha alegria.
Dessa boca eu gosto. Mas como tudo, ela não consegue ser assim o tempo todo.
Sofre e enruga-se para conter a angústia. Solta assobios para despistar tristezas.
E no fundo, bem lá no fundo da garganta, engasga-se quando quem ama vai embora ou fica mudo. E é aí que ela se contorce e abre o maior berreiro...

Batatinha

Meu nariz é de batata. E fica frio quando a temperatura cai.
A ponta avermelha-se e me entrega se eu choro.
Também empina-se se fico brava e quero partir pro ataque.
As narinas se falam quando o odor tenta invadí-las, porque são muito sensíveis aos cheiros.
De longe sinto quem vem chegando e às vezes corro para ver porque está saindo.
Meu nariz é mágico e impede que eu me resfrie. Há anos isso não acontece.
Por isso eu respeito demais essa batatinha que decora o meio da minha cara e me faz sorrir quando olho no espelho, achando engraçado um nariz assim para alguém que não curte batata frita. Nada a ver? Você é que pensa!

Enrugamento

Minha pele não é mais a mesma. Quem me vê diz que ainda está bonita. Mas só eu sei olhar-me do jeito certo, mesmo sendo míope.
Se puxo a pele pra cima, ela demora a retornar ao repouso. Espreguiça-se antes disso.
Anos atrás, nem dava tempo de vê-la subir e descer, de tão durinha que se apresentava, resistindo bravamente ao meu puxão.
Ela enruga com mais facilidade e ai de mim se esqueço de passar um hidratante. Como que revoltada pelo meu descuido, escama-se toda.
Eu era aquela que vez ou outra ficava com os nervos à flor da pele. Hoje os meus nervos estão da cor da pele...

Ensaboada

Sempre achei engraçado dar o nome de saboneteiras aos ossos dos ombros.
Mas sabia que ali caberia um Palmollive (da minha época de menina moça).
Elas continuam aqui, e acho que hoje caberia um Dove também.
E são delas que mais gosto em mim... também curto o colo, mas aquele que fica no pescoço - outra coisa que sempre achei engraçada.
Nesse colo deixo descansar pingentes, que se penduram tranquilos, balançando de lá para cá.
Nas saboneteiras deposito o meu cansaço - que os ombros não conseguem mais carregar -, para ensaboá-lo e deixá-lo tinindo... aí é só seguir em frente.

3 de maio de 2011

Da série Retalhos

Firmamento

Olhando assim, parece um pedaço de pano. Anil, escuridão...
Mas, não. Porque ao lado, bem ali onde um brilho chama a atenção, reluz a lua.
Simplesmente céu.

Juvenil

O vai e vem e o branco esmalte do dente, que aparece entre uma abertura e outra, me diz que o chiclete que masca é de hortelã, tamanho o verde da sua boca.
Não gruda no aparelho, metais contorcidos que forçam novo sorriso, porque é malabarista da língua.
Enrola-me.

Notas

Saiu no assobio e ecoou depois, na melodia que cantarola sem parar.
Ficou. Grudou nas cordas vocais e abduziu os pensamentos.
O mesmo tom, no mesmo ritmo, a martelar o dia, a noite... escala que não se rompe
e só vai ter fim quando outra canção te apossar.

Damas

As cartas se perdem no meio da mesa, fora do baralho.
Espalham profecias e ditam destinos tensos para crédulos.
Numa metade do monte, ela surge sobre as outras, imponente.
É a dama negra que, para os sem fé, mete medo: 'bati!'

Re pouso

O rodopio hipnotiza enquanto flutua no ar leve, simples.
E cria o suspense, a incógnita, o inesperado...
Até que se define e, depois de um giro mortal, pousa sobre o galho retorcido.
Pena que se entrega ao vento depois de servir às asas do pássaro ferido.


Pele

Não queria marcar-se com nomes nem figuras estranhas.
Na pele morena, ressecada pelo sol e vento,
a vontade era de expressar a solidão
que carregava na carona de sua moto.
Tatuou-se com um pingo.
Nada mais frágil como a gota que cai
e que nada significa sem juntar-se a outras.
Era tudo o que sentia... tudo.

22 de abril de 2011

Da série Páscoa

Sexta da paixão

Paixão para mim sempre teve um sentido outro que o do sofrimento e da morte aunciada. Um sentido romântico.
Por mais que eu olhasse ali, Ele sofrendo toda humilhação e agressão física, não conseguia associar tudo isso à paixão.
Só que hoje, depois te tantas páscoas, percebo que tem tudo a ver as minhas paixões com a da sexta-feira santa.
Quantas vezes me crucifiquei só para estar ao lado de quem não me merecia?
Fiz de tudo e mais um pouco para alimentar um sentimento que só eu sentia.
Fui traída pelo beijo.
Quantas vezes me acabei de chorar quando percebia que aquela relação só me levara ao fim de tantos sonhos e vontades do fazer juntos?
Fui Madalena arrependida apedrejada por tantos nãos, pela falta e pelo vazio...
Carreguei cruzes e credos não meus por achar que assim merecia.
Hoje entendo que precisei fazer a minha via sacra para chegar ao monte sagrado, um lugar resevado ao reencontro com minha alma, meus sonhos e minha fé... ressurreição.

14 de abril de 2011

Da série Perdidos

U 2

O U2 esteve aqui e eu não vi.
Só vi a zona que a cidade ficou.
Mas é perdoável. Afinal, é o U2!
Qualquer outro eu não perdoava por chegar em casa uma hora depois que o horário normal.
Mas o U2 eu perdoo.
O mais legal é saber que o povo está conectado na onda.
Tudo bem que a maioria, ao meu lado, no ponto do fretado, tinha dúvidas sobre o nome do grupo irlandês. Mas o que vale é o esforço.
"Quem é que vai fazer show e tá essa loucura?"
"É o U dois"
"Que U dois, seu tonto! É o IU TU!!!"
"IU TU?!!! Kákáká...é IU TCHU, babaca!"
"Para de falar tanta bobagem, gente!"
"E até parece que você sabe alguma coisa sobre esse conjunto americano!"
"Ai! Não é americano! É de um país perto da África, seu burro!"
E assim foi por mais de meia hora até que os ânimos da espera pelo ônibus e a discussão sobre a pronuncia do nome e a origem do U2 pegaram fogo!
Começou uma brigaiada no ponto, que até sapato voo na cabeça de um desavisado.
Eu? Eu me afastei do grupo, caminhei contra o fluxo. Liguei meu MP4 e comecei a cantarolar....
"With or without you...with or without you... "

13 de abril de 2011

Da série A volta dos que não foram

Desafios

Pensa que é fácil ser adulta, ter certeza do que se quer e entender que mudanças fazem parte?
Enganou-se! Difícil à beça compreender como tudo isso faz sentido.
Aliás, mais complicado é acreditar que depois de tantos desencontros, a vida se encaixa tão perfeitamente como aquele sapato gostoso que não provoca calo nem pega no dedinho torto.
Mas é verdade! E muito possível.
No entanto, duro de crer sem deixar que pensamentos outros cutuquem os miolos. Tipo: 'afinal, aonde isso vai pegar?'
Autossabotagem? Mania de perseguição? Ou serão tantas idas e vindas que fazem até o otimismo ficar desconfiado?
O fato é que estou fluindo, sem engasgos nem tropeços, por mais incrível e fantástico que isso possa parecer.
Então, deixo-me ao vento, curtindo a brisa, as cores, sentindo os cheiros, enquanto tudo é claro, límpido e transparente.
Momento mágico do qual me aproprio e insisto em eternizar. Que seja assim, pelo tempo que for. E assim será.

Gostosuras ou travessuras

Quando acordo, início da manhã, com o sono querendo me impedir de levantar, faço força, tomo impulso e me jogo pra fora da cama. Olho pra ele, ao lado, menino grande que suspira e se mexe, meio acordado, meio em sonho.
Fico pensando coisas... 'por que não posso ficar?', 'por que ele não vai comigo?'
Mas quando a gente é assim, adulta, tem essa chatice de responsabilidade... então, ânimo, menina!
Visto a roupa, escovo os dentes, pensando o que fazer para surpreendê-lo hoje. Mas que seja diferente de ontem, se não, bobinha, não é surpresa, né?
Pego a caixinha, formato de coração, e coloco um docinho. Faço um bilhete e digo ali o que queria dizer 24 horas. Nem dá tempo de tomar o iogurte, meu pré café da manhã, porque pressinto que meu ônibus está virando a esquina.
Coloco a caixinha em algum lugar visível, saiu correndo até a rua.
O ônibus chega e subo nele com o coração acelerado.
Sento e espero.... em alguns minutos chegará um torpedo dele, dizendo-me coisas que eu queria ouvir por 24 horas. O previsível indispensável!

22 de fevereiro de 2011

Da série Sumiço

Volto já!

Não pensem que é abandono, cão sem dono, criança perdida em supermercado.
Nada! Apenas dei um tempo porque o tempo teima em não me largar.
Preciso olhar de outro ângulo para que as ideias fluam.
Aquelas outras, já tão surradas de tanto pensar, viraram trapos que uso para limpar a consciência.
Agora é momento único e amanhã será mais outro e, depois, outro ainda... e assim eu sigo.
Por enquanto, dou um tempo, porque o tempo teima em não em largar...

11 de fevereiro de 2011

Da série Happy day


É pique, é pique

Ontem fiz 49 anos. Pode?
Recebi torpedos de amigos que não vejo faz tempo.
Mensagens carinhosas no orkut e facebook.
Emails de outros tantos que tinham  sumido também.
Telefonemas de pessoas queridas.
Teve parabéns no trabalho, pizza e vinho com família.

Recebi presentes e cartões, abraço apertado do filho,
beijo emocionado da mãe, carinho de mana, amor do marido.
Teve vela pra assoprar, bolo pra cortar, desejos por fazer...
muita risada, garganta engasgada, cantinho do olho umedecido.
De tudo eu tive no meu aniversário.
No meu aniversário, eu tive de tudo.

5 de fevereiro de 2011

Da série A volta dos que não foram

Abandono

Segunda sempre é um dia estranho. A minha será traumática. Já sei.
Vou sair do meu ninho, gostoso, calmo, para voar ao inferno.
Terei de deixar pra lá os shorts, a camiseta fresquinha e os chinelos havaianas que agora me acompanham quase que por 24 horas (só os tiro para dormir porque eles também merecem uma folga de meus pés, que nunca andaram tanto e com tanto prazer).
Vou deixar também a sensação boa de acordar, espreguiçar, ainda fazer certa hora, depois ficar de pijama até que o café esteja prontinho.
Levantarei antes do sol e pularei com pressa pra me arrumar e me sufocar nas roupas que a vida impõe à convivência profissional.
Na hora do almoço, não mais terei a alegria de fazer pro maridão as panquecas especiais. Só nos finais de semana, quando o ninho é totalmente meu de novo.
Sinto um certa angústia ao pensar em tudo isso, depois de 15 dias de puro prazer.
Mas já sei - porque cresci - que nem tudo são flores... e quase abandonei meu jardim. Mas ainda bem que não o fiz - porque não cresci tanto. Agora terei muito pra cultivar, mesmo que só nos finais de semana.
O restante, como diriam alguns, são ossos do "orifício".
Mas o duro mesmo, na segunda-feira, será olhar para trás e enxergar minhas havaianas largadas, solitárias ao lado da cama...

30 de janeiro de 2011

Da série Interior

Iô-iô

Hoje fomos à festa do figo, em Valinhos.
Aquela coisa boa de interior. Ver e comer tudo que é possível ser feito com figo.
Do suco à fruta com chantilly.
Fui pensando assim...desse jeito simplista de quem nasceu e viveu na cidade grande.
Chegamos num espaço enorme.
Calor insuportável, de fritar figo no asfalto!
Vinhos, licores, doces, artesanato...até aí, tudo dentro do esperado. Mas, olha ali aquela barraquinha!
"Proibida a venda para menores de 18 anos". Ao lado, em letras garrafais: dose de capeta!
"Tira o pé do chão, moçada!" Voltei a Porto Seguro por alguns minutos - pelo menos enquanto tomava o capeta.
Sem grandes pretensões, entramos num outro espaço mais fechado. Era o terceiro campeonato free style de iô-iô. Acredita?
E eu que já achava o máximo fazer o iô-iô que ganhei na quermesse da escola subir e descer sem deixá-lo se enroscar todo?
Nada! O primeiro garoto, ao som do Sepultura, parecia dominado. Fazia o brinquedo dançar no ritmo, com malabarismos que jamais eu ousaria imitar.
O segundo foi de hip hop e levou a galera à loucura.
Saimos do campeonato e eu já comecei a achar que viver no interior não tem nada de tão previsível. Uma festa do figo não é, com certeza, só uma festa do figo... tem de capeta a iô-iô.
Mas não parou por aí - nem o calor, que aumentava minuto a minuto.
Ouvimos um outro som que vinha da ampla barraca do Churrasquinho Mimi. Nela, em um palco, um senhor negro, no estilo americano, todo de preto, cantava acompanhado por um teclado daqueles que reproduzem todos os instrumentos.
"Let me try again...let me try again...." e engatou a seguinte "New York, New York!!!!".
Cara, te digo de verdade: ele mandou tão bem quanto o Frank Sinatra. Uma voz de calar as mastigadas do povo sentado às mesas. E imagina: o pessoal, atacando os espetinhos Mimi, ao som do Frank, numa festa do figo?
E foi assim meu domingo no interior. O mais incrível é que sai de lá sem comer um figo se quer!
Sei lá se isso tudo tem algo demais... mas pra mim teve. Percebi que alguma coisa mudou o meu jeito de olhar. Let me?

24 de janeiro de 2011

Da série Janela


Recomeço
É o que vejo quando me olho no espelho
ou quando me debruço na sacada:
a paz e o verde que vou beber todos os dias.
Sim, a partir de agora, meu cenário é esse,
e não está nos quadros que penduramos.
A paisagem orna a parede desta alma
e celebra a verdadeira natureza
de quem nasceu para ser feliz.

21 de janeiro de 2011

Da série Devaneios

Catástrofe

A vida se faz e se desfaz como novelo.
Você constroi seus dias, fio a fio, formando sonhos em lã frágil.
Por um descuido, ela se desenrola rápida e faceira.
É desfeito em segundos o que se ergueu em décadas.
Tal como nos desmoronamentos.
Descobre-se que, gota a gota, a água mina a terra.
Diante do oco, da lama misturada aos restos de esperança,
preenchem-se os olhos com lágrimas e vazio.

Retomada

No meio do lixo, onde muitas vezes me escondo,
surge uma pedra rara, que brilha e desvia a atenção de mim mesmo.
É dessa pedra que construo outra morada.
Nela se erguem pequenos desejos que vão se alinhavando,
até formar a vontade, nua e crua, de não desistir.
Assim reciclo o lixo, onde muitas vezes me escondo,
para transformar pedras em sonhos de algodão.

Próximos passos

Os pés eram tão pesados, que neles se atropelava a cada passo.
Não adiantava enfiar os dedos em sandálias que não suas.
"Cada calo com seu sapato", sábio ditado.
Andou anos sentindo bolhas machucando o calcanhar.
Encontrou algumas palmilhas e está um pouco mais confortável,
mas ainda sente o cutucar latejante da unha encravada.
Quando conquistar seus verdadeiros sapatos é que terá descanso.
Enquanto isso, tropeçar é preciso.

12 de janeiro de 2011

Da série Virada - II

Pacotembrulho

Minha gente, estou de mudança!
Caixas por todo o lado.
Não encontro mais os copos.
Bebo no gargalo mesmo, sem problemas.
Nessas faltas é que me acho.
Percebo quão pouco uso daquilo que sei - minha real bagagem.
Já empacotei os livros - e reli a minha história enquanto checava capa por capa.
Também separei os CDs que ficam comigo, minhas joias raras ("aquele do dia em que.... aquele que me lembra a... o que foi importante quando...")
E as fotos, então? Rasguei muitas e salvei tantas. Mas, só as que, de fato, me retratam.
Da minha casa o que importa é a conquista que ela representa. Isso, sim, não tem como empacotar. Fica ali, no peito, alimentando-me.
Do meu quarto vai só um quarto: o restante, construiremos juntos. Assim as aves fazem com seus ninhos. 
Deixo fogão, máquina de lavar, televisão, armários... parece tanto... e não é nada. Porque ganhei vida nova.
Agora estou na fase de encaixotar lembranças. Essas, sim, me ocupam.
Depois farei aquela faxina, desprendedo-me de prateleiras que não me sustentam mais.
Porque eu sei que um lugar novo me espera. No coração dele e na minha alma.

2 de janeiro de 2011

Da série Virada

Sem essa de ano novo...

As pessoas gostam de fazer planos, traçar metas... eu também era assim, até dia 31/12 de um ano recente, quando prometi que não seria mais. Vou atrás daquilo que meu coração apontar e minha cabeça acenar positivamente.
Tenho, como todo mundo, os panos de fundo - ou planos de fundo. Mas a minha objetividade, que se expressa mais e mais a cada dia, é clara quando indica que meu plano maior é igual ao de todo mundo: ser feliz.
Já entendi que por mais que eu pense, elabore, equacione... as coisas nunca são como no meu roteiro.
Mas no final, cedo ou tarde, elas acontecem, mesmo quando já não creio.
Assim, mais leve, me libero dessa coisa chata de fazer balanços. Não que eu não os faça. Mas é diferente. Bem diferente. Não fico lamentando o não realizado dentro do que planejei. Fico feliz - e muito - pelas conquistas - previstas e imprevistas - que a vida me deu, sendo que bem sei que fui a principal autora delas, porque me abri para recebê-las. Afinal, livre de equações e estratégias pré-prontas, posso transitar no destino com menos estreiteza e deixar que as pessoas e os fatos, o acelerar do coração e o acenar da cabeça, guiem meus passos soltos.
Esse foi o meu aprendizado pessoal dos últimos anos. É bom pra mim que seja desse jeito. Talvez, pra você, não sirva, fique pequeno ou grande demais. Porque essa é a outra coisa que eu aprendi: cada um tem o seu tamanho e sua forma. Não dá pra moldar todo mundo do mesmo jeito. Pode ser super óbvio - e é. Mas, na prática, estamos sempre querendo que o outro pense e aja como a gente. Pura ilusão. E que bom que é ilusão. Olhando a forma e o conteúdo do outro, posso aprimorar a minha e aprender mais. A diversidade é bem por aí e faz todo o sentido quando olhamos o outro como diferente de nós. E que assim sempre seja.
Não vou também falar que o ano novo trará isso ou aquilo. Ele trará o que eu puder carregar comigo. O que pesar, dispenso.
Vivemos num tempo em que tudo - absolutamente tudo - tem uma resposta. Você discorda? Pois coloque qualquer tema no Google e veja tudo o que aparece. E mais: você pode escolher a explicação que se adeque aos seus interesses. Porque, no Google, a verdade não é única nem absoluta.
Explico: eu estava, por exemplo, com uma sensação incômoda no olho esquerdo. Fui olhar e descobri uma bolinha sutil na pálpebra. Algo como o começo de uma espinha. Deduzi ser terçol. E como tratá-lo? Fui pro Google e ele me trouxe N saídas e conceitos a respeito. Entre a que dizia que terçol é contagioso e a outra que afirmava que não é, fiquei com a segunda. Também vi a opção de pomadas para passar no local e outra caseira, de compressas no olho com água morna. Tinha também a cirúrgica - ir logo ao oftamologista para retirar o nódulo. Optei por compressas. E assim é a vida para mim hoje. Não existe um jeito, uma resposta única, uma  verdade absoluta. O meu momento, o meu desejo, a minha necessidade é que ditam aquilo que é bom para mim. Se são as melhores escolhas, aí já é outra conversa. Mas de fato, atualmente, o que tem valor é saber que são as MINHAS escolhas, sejam no Google, sejam na forma como vou encaminhar uma conversa, tomar uma decisão, optar por este ou aquele caminho.
Assim, 2011 será um ano em que o que vai valer é o que de fato me faça bem e que possa contribuir, de alguma forma, para que quem está comigo também usufrua um pouco - ou bastante - desse bem-estar que quero me presentear todos os dias.
Se vou conseguir, também não sei. Não me preocupo com isso, nem um pouco aliás. Não quero dar espaço aos "talvez" porque estes sim sugam energias que podem ser usadas para as verdadeiras buscas e os bons encontros.
E não esperem que no final de 2011 eu faça balanços e tire conclusões sobre o que foi e o que será. Porque, pra mim, o todo dia é que tem real importância. Mas cada dia a seu tempo.
Por hoje é só. Por hoje, um feliz dia 2 para você. Agora, com licença, porque vou cuidar do meu terçol fazendo compressas, mas devagar...