31 de dezembro de 2009

Da série Virada do ano

Plataforma de governo

-- Caros, antes da bater a meia  noite, reuni todos vocês para contar que em 2010 estarei investindo na eleição.
Aproveitarei para lançar a minha candidatura para o lugar de Deus.
Não que eu tenha qualquer coisa contra a gestão do Todo Poderoso, mas, convenhamos, tantos mandatos seguidos acabam desgastando a imagem do líder, por melhor que ele seja.
E melhor do que Ele, sabemos, não existe.
De qualquer forma, mesmo sendo infinitamente inferior ao Pai, acredito que a renovação traz novos ares.
Sei que Ele é o cara. Mas eu posso ser a corôa e propor novidades para agitar um pouco o cotidiano.
A primeira delas é a descentralização do gerenciamento do Planeta. Criar subdeuses que comandam o seu país, de acordo com as necessidades celestiais de cada povo.
A partir daí, como a subdeusa brasileira, terei como principal bandeira o que chamo de "segunda chance".
Por decreto - porque neste País as pessoas já se acostumaram com os decretos - vou definir que cada brasileiro possa viver 80 anos. Passado esse tempo - e salvo os apressados que por imprudência se forem antes - o indivíduo morre, mas de morte tranquila. Dormindo. Acorda e pronto: tá morto. Aí ele vai para um lugar bacana, com frigobar e ar condicionado, e passa ali uns meses reciclando-se, fazendo uma análise do que viveu nos anos que esteve na Terra, aquilo que quer mudar e fazer diferente e tal. Daí, quando o MBI celeste estiver concluído, ele volta. Mas pra mesma situação, na mesma pessoa. Os pais são os mesmos, tudo igual. E mais: volta sabendo o que viveu nas oito décadas e aquilo que quer fazer de novo ou mudar. E, dependendo da sua performance, pode ganhar 10, 20 ou até 30 anos a mais de vida (vide tabela).
Porque assim seria mais justo. Uma segunda chance pra poder consertar as cácas feitas e aperfeiçoar os acertos...

-- Por favor! Alguém tira a champagne dela, pelamordedeus!!!

Frustrações

Eu já entrei nessa de fazer pedidos. E, pra compensar, algumas promessas.
Não rolava uma coisa nem outra. O que pedia não vinha. O que prometia não cumpria.
E a frustração? Afinal, são 365 dias de prazo e, caramba!, você não dá conta de fazer nada do que se propôs? Não é uma droga?
Por essas e por outras parei com isso. Meu nome é Mari e estou sóbria há 10 anos.
A vida que flua e eu influa. O que vier, será acolhido de bom grado. O que não acontecer... fico brava, confesso, mas depois passa. Ano que vem tem mais.

10, 9, 8, 7, 6...

E foi no 'um' que fez-se a luz!
Ele entendeu porque, afinal, tudo dava tão errado no ano que entrava. Era a contagem regressiva. Como não percebeu isso antes?
Afinal... como fazer uma contagem 'regressiva' se é para ir pra frente, pro novo, para o que será?
Compartilhou sua teoria com os demais: "Não é que você tem razão?", "Nossa! Algo tão óbvio e nós nunca nos atentamos para isso!", "Cara! Você é o máximo! Devia defender essa tese em algum doutorado".
Que ideia! Defender e passar à frente sua tese brilhante.
Foi o que fez, com direito à orientação de um bambambam em contagens, depois ao desenvolvimento de um texto magnífico, recheado com citações e com uma bibliografia gigantesca. Defesa para a banca e nota 10 com louvor. Era doutor na teoria da contagem progressiva para o ano novo!
Curiosamente, todo esse processo encerrou-se no final de dezembro. Já doutor, ele foi convidado pelas autoridades para, no microfone e com transmissão em rede para todo o País, fazer a contagem da virada sob os novos moldes. Ele ficou super excitado com a ideia. Sabia que poderia propiciar aos compatriotas um ano diferente, insuperável, porque os números seriam cantados em ordem crescente, como as esperanças e os desejos de todos.
Preparou-se para o grande dia. Fez mil ensaios e gargarejos para que a voz não falhasse na hora. Já pensou na próxima tese: como as coisas se desenrolaram para um grupo de pessoas selecionadas, que tiveram um péssimo ano anterior - quando o tradicional 10, 9, 8, 7... ainda reinava -, comparando-o com o novo ano progressivo que se iniciaria.
No local combinado, estavam todas as emissoras de Tv, as de rádio, repórteres dos jornais e das revistas... e a população compareceu em peso.
Um minuto para a meia noite, de microfone em punho, as luzes focaram-no no palco armado e todas as casas do País, sintonizadas, esperavam a revolucionária contagem que traria novos ares ao destino de cada um.
E lá foi ele, mas, quando se deu conta... 10, 9, 8, 7... tinha feito a contagem tradicional de novo! Saiu sem querer, merda! Maldita força do hábito!

27 de dezembro de 2009

Da série Ano Novo

Começo do recomeço
Acordei e o dia não veio.
O mar estava seco e as flores voltaram ao botão.
Abri a janela e senti o ar varrendo o meu peito.
Procurei, em vão, um baú velho, onde guardei minha história passada.
Em seu lugar encontrei um livro aberto, com nada escrito.
Olhei-me no espelho e eu era disforme, mas, no fundo de meus olhos, me reconheci.
Os limites daquele lugar me sufocavam tanto que, num impulso,
flutuei, vaguei sobre as coisas não mais minhas.
Ao passar em cima do mar, ele se encheu, se abriu pra mim.
Uma força, que eu nem sabia, deu um grito doce e abriu os meus braços, como asas.
Ao olhar para trás, vi um útero por demais pequeno.
Ainda recoberta de algo que foi se soltando de meu corpo,
que agora tomava forma, pousei em novo chão, meio árido, meio úmido... mas meu.
Percebi à minha frente uma longa estrada. Longa, mas minha.
Vi que o sol nascia diferente dos tantos sóis que já queimaram minha pele. Diferente... mas meu.
Depois de tudo e de tantos, vivo o meu gênesis.


Top five


Você já parou pra pensar nas cinco coisas que te são mais importantes?
Aquelas que você tanto quer mas pouco ou nada tem?
Eu penso nisso... sempre... especialmente nos finais de ano.
É simbólico, eu sei, crer que a partir de 1º de janeiro tudo começa novo - e de novo.
Que seja um símbolo, mas convenhamos: precisamos disso para continuar acreditando.
Pois estas são as cinco coisas que mais quero e menos tenho:


1. Todo prazer de viver, que mereço
2. Fidelidade a mim mesma
3. Paixão apaixonada
4. Coragem de ousar para sair de horizontes estreitos
5. Mais coração, menos razão


Não sei se em 2010 conquistarei alguma coisa mais disso tudo. Mas no final de 2008, dentre os top five que elegi, estava a fé em mim mesma. Foi o melhor presente que me dei nos 365 dias que se encerrarão em breve... então, vou em frente!


Simpatia


Ela fazia tudo que era simpatia para garantir um ano novo repleto de coisas boas.
De mala vazia, dava voltas em torno da casa - garantia de viagens
Na carteira, a folha de louro e o caroço de romã - pra não faltar dinheiro.
Calcinha verde - esperança -, sutiã vermelho - paixão.
Um prato de lentilhas, que ela não lembrava pra que servia, mas que virara tradição.
Pular 7 ondas e fazer 7 pedidos: saúde, emprego, amor, filhos... que mais pedir? Deixava crédito para o ano seguinte.
Ano após ano, a mesma coisa. E assim foi por 82 anos.
Não me pergunte o que ela conseguiu com tudo isso. Não faço a mínima ideia!
Mas ela foi feliz... pelo menos é o que dizem. E é o que interessa. Ou não?


Virada


Fogos, champagne, branco, risos, ceia, mar, céu, lua, velas, abraços, promessas, pedidos, beijos na boca, filhos gerados na madrugada quente...
Esperança boa que, no dia seguinte, a história tome novos rumos.
E o que a rotina estragar, deixar pra lá nos 365 dias, não tem problema.
No outro 31, à meia noite, tudo recomeça com fogos, champagne, branco, risos, ceia, mar, céu, lua, velas, abraços, promessas, pedidos, beijos na boca, filhos gerados na madrugada quente... é a vida.

22 de dezembro de 2009

Da série Meu garoto!!!


Calouro

Hoje eu sei como é a emoção de ver o filho entrar na faculdade.
Eu já estive do outro lado: descobrir-me na lista dos aprovados. Essa emoção eu conheci bem. E foi uma das maiores de minha vida. Fora a surpresa armada pelos meus pais que souberam antes de mim (meu tio trabalhava na área e teve acesso à lista antes dos jornais - há 29 anos, algo como internet só era concebível em filmes de contatos sei lá de que grau).
Meu pai colocou uma faixa (feita de papel higiênico Primavera - o melhor na época) com os dizeres: Caloura da USP.
Eu quase cai dura. 'Verdade? Vocês 'tão brincando, né?' Não.... era a mais pura verdade, regada à sidra Cereser, que meu pai tirou da geladeira e abriu todo orgulhoso. Eu tinha 17 anos. E aquilo me soava tão estranhamente emocionante... como seria 'ir pra faculdade? O que afinal eu faria lá? Uma extensão dos bancos da Escola Estadual de Segundo Grau Brasílio Machado? E a turma nova? Os professores...seriam legais?' As questões eram as mesmas de cada ano letivo que se iniciava, em toda a minha trajetória escolar. Minha ingenuidade foi perdendo força logo nos primeiros meses de ECA. E descobri tanto mais da vida, de mim, daquilo que eu queria ser... foram quatro anos que me pareciam séculos. Contato com coisas que eu jamais imaginei possíveis. Eu lendo O Capital! Pode?! Eu nas passeatas e greves! Pode?! Eu na feira livre tirando fotos para a disciplina Foto Reportagem e depois revelando uma a uma no laboratório da faculdade. Eu tomando o circular com as prostitutas que trabalhavam na entrada do campus.  Eu no Rei das Batidas, cabulando a última aula. Eu chegando em casa todo o dia à meia noite...
A emoção de entrar na faculdade começou naquela tarde, em casa, celebrada com sidra, e se prolongou até 1984, quando me formei.
Ontem retomei essas sensações, mas no lugar de meus pais. Olhei o meu guri alto, barba por fazer, meio pálido ainda pelo porre de exames feitos - que ainda continuarão na segunda fase da Fuvest - e me emocionei demais.
O mais legal é que quem viu primeiro o resultado fui eu...assim como meus pais. E graças a internet - que saiu dos filmes de ficção e hoje mora em nossas casas. Estava checando as notícias e li uma das manchetes: 'PUC antecipa a lista de aprovados'. Gelei! O coração acelerou! Entrei no link e vi o nome do meu-não-mais-pequeno figurando entre outros. É uma coisa louca de se sentir. Como se uma parte essencial de mim, assonada, acordasse para a vida, saísse da mesmice e vibrasse como as cordas tensas do violão. Eu me senti meio deusa, meio humana, porque vi a minha cria alcançando mais uma vitória.
Não foi apenas a vitória de sair do ventre e encarar o mundo além da vagina. Nem se esgotou nas engatinhadas tortas ou nos primeiros passos bambos. Muito menos parou nas palavrinhas monossilábicas como 'dá', 'qué', 'mã'... ou na dor cortante dos dentes nascendo. Não... a minha cria tem mais força, mais determinação, mais desejo e garra. É isso que percebi claramente. Eu também passei por tudo isso e fui além: abri caminho para que Gabriel pudesse colher suas conquistas. Sei que um dia meu filho sentirá o que eu sinto e que foi a mesma sensação vivida pelos meus pais - que abriram os meus caminhos num tempo em que era preciso ser trator!
É esse ciclo que alimenta o mundo, a alma... o futuro. Continuemos, pois!
Feliz 2010 para você!

18 de dezembro de 2009

Da série Balanço


Adeus meu eu velho

No final do ano, dou uma parada para pensar nas coisas que vivi e o que quero viver no ano seguinte.
Para variar, farei diferente agora. É... cansei do "Adeus ano velho, feliz ano novo..."
Porque neste único 2009 de minha vida, aprendi um monte e tenho a sensação que desaprendi um outro tanto.
Duro admitir, mas me fiquei devendo. Só que eu não quero jogar para 2010 o que não resolvi nestes 365 dias que estão chegando ao fim. Porque não serei a mesma e sei que terei outras vontades e desejos.
O não realizado passou.... paciência. Estou mais ansiosa com aquilo que virá, que não sei, mas que me trará sensações outras, nada do que já senti. É isso que hoje me move.
Se tenho um deficit comigo mesma - sem querer ser tão complacente, mas muito realista -é porque não sabia ou não podia realizar. Porque sei que me esforcei. Pouco, talvez, em algumas coisas... mas estas, quem sabe, não eram as mais importantes. O que achei que valia a pena, eu investi, batalhei... mas sei que perdi, me frustrei nisso. Conquistei aquilo. Era o que me cabia, era o que eu dava conta.
Passo a régua, apago a luz de 2009 e começo a vislumbrar o começo do túnel, afinal, é ano novo.
Talvez este tenha sido o maior aprendizado: saber que ano que vem posso ser outra, e que não me devo nada. Apenas quero continuar acreditando.
Um super final de ciclo para você, querido leitor. E lembre-se: melhor, mesmo, é o que virá! Salute!


Perdas e ganhos

Em 2009, descobri que o homem da minha vida nunca mais poderá me amar. Não da mesma forma, não sem qualquer medo. Em 2010 estou me despedindo desse sonho. Só vou sonhar o que é possível.

Em 2009, não peguei gripe suína, mas fiquei com medo. A merda é que ela não se vai com o ano, mas volta no que virá.

Em 2009, me dediquei mais ao corpo. Sai da preguiça e fui fazer Pilates e caminhada. Tô contente com o resultado. Retardei a lei da gravidade... mas, até quando?

Em 2009 não cuidei do espírito. Talvez por isso esteja meio incrédula... vamos ver se o milagre acontece em 2010.

Em 2009 fiz novos amigos. Todos bem especiais. Desfiz poucas amizades. Mas não eram amizades. Eu que as via assim. Elas não me viam. Então, limpei a área de ilusões.

Em 2009 não me apaixonei por ninguém. E tenho a sensação que assim também será em 2010. Mas deixa rolar... porque em 2009 aprendi que estar sozinha é melhor do que mal acompanhada - e isso é tão óbvio que me senti meio estúpida quando me dei conta.

Em 2009 tive de pensar na morte. Não a minha, mas de pessoas que amo. E vou para 2010 sem saber nada sobre ela, além de que doi demais...

Em 2009 trabalhei à beça. Também me estressei muito. Meu pavio está mais curto. Para muitos, isso pode ser um retrocesso. Para mim é ganho. Parei de tudo entender, tudo aceitar e me deixar para quinto plano. Acho que me amo mais.

Em 2009 sofri como mãe de um homem, saindo da adolescência. Foi muito complicado. Mas sei lá porque agora tudo parece mais leve. Talvez finalmente eu tenha entendido a minha juventude e perdoado quem não me entendeu lá atrás.

Em 2009 quase adoeci, quase mandei tudo às favas, quase me envolvi, quase perdi o chão, quase entendi tudo... se este foi o ano do quase, nem quero imaginar o que será 2010!

8 de dezembro de 2009

Da série Desabafo


Enchente-me
Falar do caos que hoje assolou a cidade de São Paulo é chover no molhado... mesmo.
Tentei evitar porque o tema transborda nos noticiários e nos milhares de blogs.
Mas quem sou eu para ter a pretensão de ficar calada como se estivesse saído seca de tudo isso?
Pois então, abra seu guarda-chuva porque eu vou despejar as três horas e meia que levei de casa ao trabalho, pela manhã.
Vou confessar que fui alertada pela minha cunhada e por uma colega, mas sou paulista, e a teimosia me parece característica desse povo - ou dos que estavam ali, comigo, paralisados no trânsito, como ilhas cercadas de água por todos os lados.
Fui 'me achando' pela avenida 23 de maio, que fluia bem, como os dias normais quando algumas gotas caem por aqui.
Estava mesmo acreditando que chegaria no trampo em pouco tempo, ilesa.
Santa ingenuidade! Mas pra quem achou que o Palmeiras ainda seria campeão... até que isso foi suave.
Depois da fluidez na avenida deparo-me com o mega congestionamento na avenida Tiradentes. Como eu queria ter uma corda para enforcar o povo mal educado que, nem em situações assim, de total desespero, é solidário... eta gente egoista - mais uma característica deste povo ou da humanidade em geral... essa reflexão eu faço depois.
Enfim... na indecisão de que caminho seguir, já que nenhum deles andava, fui pela maioria e me lembrei da tal peça que assisti -  A Alma Imoral - em que a atriz fala que a unanimidade é burra. Acho que a maioria também...
Comecei a ficar com uma vontade danada de fazer xixi. Afinal, estava há uma hora e meia nesse exercício de engatar primeira, acelerar, segunda e parar. Primeira, acelerar, segunda e parar....
E aquela água caindo sem dó nem piedade... é como sonhar com torneira aberta e acordar com a cama molhada.
Mas me concentrei para não me irritar, nem mijar no carro.
Quando fiquei parada em cima da ponte sobre oTietê, percebi uma certa movimentação, não de carros, mas das pessoas. Elas saiam para fotografar o rio que havia tomado conta de todas as pistas da Marginal. Um show de coisas boiando e de uma destruição sem fim.
Lembrei que tem a tal teoria do fim do mundo em 2012. Talvez hoje tenha sido o aperitivo.
No próximo capítulo - ou dilúvio - capaz de eu emparelhar meu carro com o do Tom Cruise e ele me salvar de afogar-me nas garrafas pets, pneus de carro, restos de móveis, sacos plásticos e outras cositas que convivem com as águas do poluído rio.
Passei da ponte e tracei um caminho imaginário que talvez pudesse me levar ao destino. Mas no meio do meu caminho havia uma poça gigante... e eu não quis nem saber a continuação do verso. Seguindo alguns trouxas - só que estes com carros bem maiores que meu celtinha meia boca - encarei a poça e estava comemorando minha vitória por ter passado por ela, não sem antes patinar e cair num buraco, quando vi fumaça saindo do capô. MELECA!
Parei o carro, liguei o pisca alerta, telefonei pro seguro, pedi um mecânico...'ai, meu saco! Perdi o motor!', era a frase que se repetia na minha cabeça dura.
Mas respirei fundo... e quase não voltei a respirar quando a atendente do outro lado me avisou que a previsão da chegada do socorro era de 180 minutos. Eu não sei qual o objetivo de falar 180 minutos no lugar de três horas. Talvez ela tivesse a esperança de eu ter faltado nessa aula e não soubesse converter minutos. Já fui decidindo: 'pode suspender. Vou dar outro jeito!'
Nem sei porque disse aquilo. Que jeito eu daria? Mas não sou de me entregar na primeira, nem na segunda... e tomara que não venha uma terceira, porque aí eu não sei de mim.
Sai do carro de guarda-chuva em punho. Fui procurar um mecãnico na rua. Ainda tive de ouvir gracinhas de uns caras na porta de um boteco. O mecânico falou que não podia ir comigo até o carro porque estava sozinho: 'Sabe como é, madame... ninguém conseguiu chegar ainda'. Ao que eu respondi: 'Eu também não'.
Mas ele me acalmou. Porque eu contei que, depois que desliguei o carro, liguei de novo, fiz uma manobra para tirá-lo do caminho e ele, tadinho, me obedeceu.
'Não deve ser nada grave. Se tivesse entrado água na rebimboca da parafuseta, do cabeçote da tala inferior da emenda estática do propulsor paralelo, seu carro nem gemia mais'. Ufa! Ele está vivo!
Voltei ao local onde deixei meu super potente. E o cara que me observava desde quando parei por lá, o segurança do estacionamento, veio me perguntar porque eu não levava o carro até a mecãnica da Chevrolet, bem ali, na esquina.
Era como se o portal mágico se abrisse, um clarão cor de rosa pintasse o cenário cinza e o sol surgisse por detrás do Campo de Marte, encobrindo todas as nuvens. 'A mecânica da Chevrolet é aqui?!?!?!'
E o cara, meio assustado com meu repentino entusiasmo histérico, murmurou: 'É, sim senhora...'
Liguei o carro - que respondeu normalmente - e fui até lá. Expliquei tudo. O jovem mecânico, alguns anos mais velho que meu filho, depois de verificar o motor e me dizer que não tinha acontecido nada ('a água bateu no carburador, estava quente e a fumaça que a senhora viu foi disso...'), encarou-me seriamente e, com o dedinho quase que em riste, me deu uma bela chamada: 'A senhora nunca mais faça isso, de entrar na enchete, hein? Pode perder o motor!' Respondi que tinha aprendido a lição e supliquei pelo toalete, porque me dei conta que estava quase explodindo.
Voltei à jornada até o trabalho... feliz porque, no fim, minha cagada não tinha sido uma cagada. Eu tenho a força!!! Venci a chuva, a poça gigante com seus buracos sugadores, o trânsito, o seguro 180 minutos, os caras babacas do bar....
Demorei mais 40 minutos para um percurso que levaria 10, mas tudo bem! Tinha vivido a redenção.
Cheguei no trabalho quase ao meio dia. Foi uma tarde proveitosa de labuta... afinal, eu sou eu e o resto é resto...
Na hora de ir embora, quando fomos liberados um pouco mais cedo para evitar a bagunça do rush, fui saltitante para o estacionamento. Afinal, por caminhos tortos e longos, tudo acabou dando mais que certo.
O manobrista trouxe meu carro e, antes que eu engatasse a marcha para subir a rampa, uma colega de trabalho, que entrava a pé no estacionamento, me chamou para comentar alguma coisa. Respondi e sai em primeira, dando impulso para pegar força na subida. Só ouvi um rasgar de lataria que arrepiou até os meus cerebelos... Caraca! Distrai-me na conversa e esqueci de virar a direção o suficiente, ralando na parede a lateral de meu super potente.
Caem o pano e os meus super poderes...
Alguém conhece um bom funileiro?

Participação especial do personagem Ran, de Salvador Messina.

1 de dezembro de 2009

Da série Fetiche

O segurança

"Ai, meu Deus! Hoje ele está na recepção! Que calor!!!"
Coisas assim me vinham à mente quando eu dava de cara com ele.
Sabe aquele tipo brutão, mas com sorriso meigo e voz de tenor embrulhada em veludo?
Pois é... o próprio.
O cara consegue me fazer sentir coisas que não sentia há tempos. E olha que nem o conheço direito. Aliás, há anos o espreito, sem saber, se quer, seu nome.
Fecho os olhos onde estiver e o vejo: moreno, corpão malhado, nem alto, nem baixo. Olhos que brilham, o sorriso é Kollynos... coisa boa que esquenta toda a imaginação.
Dia desses, uma colega, ao saber do meu fetiche pelo segurança - porque toda mulher tem um fetiche assim: segurança, bombeiro, PM, jardineiro... - contou que conversou com ele algumas vezes e que o danado disse ter facilidade para ler pensamentos.
Pra quê! Via o cara de longe a já mirava no terceiro olho dele com pensamento positivo: 'Gostoso! Lindo! Minha perdição!' Assim, como um mantra. Passava séria, mas mentalizando, e dizia bom dia porque sabia que a resposta seria um sorrisão de deixar qualquer perna de pau bamba.
Saia para almoçar, cruzava com o profeta na porta, e mandava firme: 'Gostoso! Delicioso! Coisa de louco'...OOOONNNNNNN...
Mas, sei lá porquê, fiquei com a sensação de que temos um bloqueio energético. Meu feeling me diz claramente que ele nunca adivinhou nada de nada! Ou será que adivinhou e se fingiu de morto? Afinal, posso não ser o tipo dele - toda mulher, por mais segura que seja (o que não é o meu caso) tem esse momento de baixa auto-estima quando se supõe rejeitada. Ou o cara não mistura as coisas - toda mulher acaba justificando um ato assim pelo lado cor-de-rosa da vida. Ou sei lá... só sei que, contrariando Rita Lee, a gente não faz amor por telepatia. Não, mesmo.
Hoje foi um dia atípico, porque se ele não lê meus pensamentos, pelo menos me viu várias vezes e pode  estar encafifado: 'Caramba! Por que essa baixinha tá sempre no meu caminho?'
Quem sabe numa bobeada dessa, de dúvida, de questionamento, algo do meu mantra possa ser captado pela antena do super-homem da portaria? 'Gostoso! Maravilhoso! Sonho de consumo!' ONNNNNN...
Mas o que aconteceu hoje é que, na hora de ir embora, eu sai do elevador e dei de cara - quase nos atropelamos - com ele. Fui pega de surpresa...me atrapalhei toda. O mantra mental saiu super bagunçado: "Goslícia! Detoso!' Puts... se ele captou a minha mensagem, deve ter me achado uma telepata retardada!
Mas ele sorriu. Daquele jeito que as pernas bambeam. Eu retribui e fui em frente, tropeçando em mim mesma e sentindo a cara arder de vergonha - toda mulher corôa tem seu momento adolescente.
Passaram-se uns 10 minutos quando, parada no semáforo, já no caminho para casa, olho para o lado e... é ele! O tudo-de-bom!!!! Nem aguentei. Pensei no mantra mas, no susto, apertei a buzina. Ele olhou, sorriu, fez um tchau... o sinal abriu, o meu gostoso engatou a primeira e partiu.
Eu? Ah... eu demorei um tempo pra lembrar o que mesmo eu tinha de fazer... até que, motivada  pelas buzinas atrás de mim, consegui sair do lugar. Coisas de fetiche.

25 de novembro de 2009

Da série Alma Imoral


Nem Moisés, nem Abraão

Fui assistir Alma Imoral, a peça.
Você ainda não viu? Pois precisa ver, menina. Coisa boa demais!
Em vários momentos eu me emocionei. Vários.
Mas dois, em especial, levaram todo meu corpo a um grande arrepio.
O primeiro momento em que me encontrei com a personagem foi quando ela disse o seguinte:
"não há solidão maior do que a ausência de si."
É como se os oráculos e todos os búzios tivessem me apontando porque, ultimamente, sinto um vazio e certo desconforto.
Claro! Óbvio! Não estou comigo, não me sinto, não me preencho.
O segundo momento foi a parábola que ela contou.
Algo assim: certa feita, um rabino, chamado Sigs, que estava morrendo, demonstrou uma inquietação ao seu discípulo.
Este, vendo sua angústia, pergunta: 'Rab, por que estás assim?'
E o morimbundo responde: 'Tenho medo de como será quando eu me encontrar com o júri divino'.
O discípulo pergunta: 'Mas por que, Rab Sigs?'
Este, sem quase forças, responde: 'Porque eu não fui nada nesta vida'.
O discípulo, surpreso, argumenta: 'Imagine! O senhor é exemplo, fez tanto por todos. Eu é que nunca fui ou fiz nada'.
O rabino continua, falando baixinho: 'Se me cobrarem que não fui como Moisés, fico tranquilo em responder que não fui mesmo, porque eu não sou Moisés. Se me perguntarem por que não fui como Abraão, responderei com firmeza que não fui porque eu não sou Abrãao. Mas... e se me perguntarem: 'Sigs, por que não foste Sigs?'


Relativo


Nessa mesma peça que assisti, a atriz fala do que é certo e do que é justo.
E de uma forma bem descontraída - além de muito didática.
Para isso, conta uma piadinha, que reproduzo aqui:
"dois advogados se encontram na porta do Motel. Cada qual com a esposa do outro.
O primeiro diz ao segundo: 'Nobre colega, que situação!'
O segundo diz ao primeiro: 'Que situação, nobre colega!'
O primeiro continua: 'Pois façamos o que é certo e justo, nobre colega.'
O segundo concorda: 'Façamos pois, nobre colega, o certo e o justo'.
O primeiro sugere: 'Troquemos já de mulheres, ficando cada um com sua esposa'.
O segundo devolve: 'Nobre colega, isto pode ser certo, mas não é justo. Porque você está saindo e eu acabei de chegar...'


Sensação


Alguma coisa aconteceu de diferente.
E só me dei conta no final do dia.
Havia leveza em mim, apesar de um cansaço que me toma há dias.
(O tal estresse de fim de ano, sabe?)
Sei lá porquê, eu me senti bem quando me deitei à noite.
Sensação de dever cumprido? Mas não fiz nada...
Algum sonho realizado? Que eu me lembre, nenhunzinho.
Uma pessoa nova que trouxe ânimo? Nem... os mesmos de sempre - com todo o respeito.
Um evento mágico que me tirou o ar? De casa pro trabalho, do trabalho pra casa. Necas.
Algo diferente que comi e me aqueceu por dentro? Sanduíche de queijo branco com tomate e orégano ainda não tem esse poder.
Enfim... gastei um bom tempo antes de dormir pra tentar descobrir, afinal, o que tinha feito tão bem,
a ponto de eu estar assim, tão plácida e leve.
Adormeci sem qualquer conclusão, mas tudo bem.
Porque uma coisa eu estou aprendendo:
bom mesmo é simplesmente sentir.

22 de novembro de 2009

Da série No limite

O tempo não para, nem pra molhar o bico

Incrível... o feriado já passou.
Parece que três dias compactaram-se em um só:
deitei na quinta à noite e acordei domingo à tardinha!
Por que será que o tempo anda tão acelerado?
Podia dar trégua e passar do jeito que tem de ser:
segundo pós segundo.
Nem sei...
Só sei que continuo cansada, sem pique,
contando nos dedos a chegada do próximo fim de semana.

18 de novembro de 2009

Da série Homenagem

Teus olhos, dois farois

De que cor são teus olhos?
Nem responde, porque eu mesma quero dizer:
cor de ternura e de paixão pela vida.
Aquela coisa boa, equilibrada, meio a meio, que encanta.
No fundo dos teus olhos eu encontro os meus.
Nossas meninas trocam confidências,
e descansam depois de tanto brincar, deitadas na íris
desses teus olhos, dois farois.
Eles não se perdem no tempo nem na lembrança.
Aliás, é por eles que todos procuram quando te vêem.
E deles todos se lembram, mesmo que não saibam mais o seu nome.
Teus olhos me encabulam quando me despem com um piscar,
enchem-me de carinho enquanto me seguem num rabo-de-olhar.
Essas e outras são as sensações boas que sinto,
'quando a luz dos olhos teus e a luz dos olhos meus...' 

13 de novembro de 2009

Da série Sexta-Feira


Abobadagens (abobrinhas com bobagens)
Você precisava me ver hoje, sexta, logo cedo, indo pro trabalho. Queria ter uma metralhadora super sônica pra matar milhares de motoristas idiotas. Levei uma hora e meia num percurso de 45 minutos.
Mas, sei lá... a manhã vai me tomando e eu me dou conta de que...é sexta-feira.
E como uma bipolar em crise total, transformo a raiva em alegria e vontade de fazer das balas calibre 98, imaginárias rosas do campo.... "e vejo flores em você", cantarolo para o motoqueiro que passa rasante pelo meu retrovisor.
As tarefas viram deliciosas missões. O Pilates se transforma em parque de diversões. A padaria, no almoço de meia hora, lotada e quente, parece a ilha da fantasia, em pleno verão e com o mar ao fundo (os azulejos esverdeados da parede do estabelecimento). Não ando, flutuo. Não falo, canto. Não sorriu, gargalho.... todas as sensações são intensas. Lembram-me de quando eu era pequena e sabia que o Natal estava chegando. Gente, que euforia!!! Pois assim me são as sextas-feiras. Mau humor de chefe? Pentelhação de colega? Manha de filho? Nada disso tem qualquer importância. Até chegar em casa numa sexta-feira é diferente...sei lá...tá tudo igual, como sempre é, de segunda à quinta. Mas pôr os pés em casa numa sexta é como entrar no paraíso. O cheiro é outro. A possível bagunça deixada pelo moleque também parece tão insignificante... o banho, ah! o banho... esse é mais que especial. E o pijama velho? Os chinelos de pelucinha? Quão mais aconchegantes se tornam numa sexta-feira.
É incrível, mas cada vez que o dia se aproxima da noite, vou regredindo à infância. Viro moleca só porque... é sexta-feira. Imagine você que, no meio do trânsito, agorinha, voltando pra casa, me veio uma ideia mega infantil? Mas eu adorei, menina! A-DO-REI! Foi o seguinte: passar por tudo que era portão automático, nos poucos instantes que parava pros carros à frente fluirem, e usar o controle da garagem do meu prédio para ver se abria outras garagens. E lá ia eu. Aperta... nada. Aperta de novo....nada.... e foi assim, da Domingos de Morais, onde tive essa brilhante ideia, até em casa (só para constar, nenhum portão se abriu).
Outra coisa... usar o botão do alarme do meu carro pra ver se ele dispara o de algum outro. Isso eu fiz depois que cheguei em casa, na garagem. Andei por ela toda, até o elevador, apertando o botão pra ver se rolava um alarminho desavisado (pra constar também: não funcionou... graças a Deus!).
Foi aí que percebi que nesta sexta-feira eu estava mais sapeca do que qualquer outra...uma mente infantil mais do que maligna! E... bingo! Descobri porque: é sexta-feira 13! Tá explicado!
Chego em casa, abro a porta e deixo as sapequices de lado. Hora de curtir o incrível momento de ficar comigo mesma, vislumbrando um fim de semana delicioso... aliás, este é o grande segredo das sextas: o fim de semana que nasce no horizonte da 23 de Maio, no caminho de volta do trampo, e só se põe depois do Fantástico.

13/11/2009

Hoje é sexta-feira de bruxas, monstros, fadas... e coisas do tipo.
Somando os números todos dá o total 8. E???
Sei lá. Mas deve significar alguma coisa.
Puts! Esqueci de olhar se é lua cheia.
Se é, tá meio discreta porque não a vi por aí esta noite.
Fico com medo do escuro, mas passa logo quando acendo a luz.
Imagine se desse aquele apagão geral?
Iam dizer que foi mau agouro. Bom...pelo menos seria uma justificativa mais aceitável do que as que deram até agora.
E seu meu time empatasse com o Sport hoje e não na quarta, graças ao juiz que deu uma forcinha? Talvez dissessem que foi culpa do saci, que andou apitando pelo juiz o impedimento. Este, totalmente confuso, acabou indicando o meio do campo e decretando o gol.
O duro mesmo seriam as explicações místicas para a visita de Madonna ao Brasil, do nada, de repente: "ela veio conhecer a família de Jesus"....coisa do demo!
Não pense que sou incrédula... tem coisas que me assustam um pouco em dias como este. Não custa fazer o sinal da cruz e mangalô três vezes. Acho até que vou dormir antes da meia noite. Porque do jeito que ando carente, se o lobisomem aparece por aqui, eu traço!

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(Só pra constar: o lobisomem apareceu...auuuuuuuuuuuuuuuuu...)

11 de novembro de 2009

Da série Pausa


Closed

Se não mando notícias, não escrevo textos, não conto novas piadas ou não envio emails, não pense que desisti.
Nada! É o tempo que me dou para rever os dizeres, focar no que hoje me interessa.
Detesto ficar na mesma, requentando ideias. Porque a mesma eu nunca sou, nem mesmo num mesmo dia. Mesmices...
Me aguarde. Eu volto. E se acostume. Porque preciso, sim, do afastamento para, depois, olhar o horizonte de todo o dia e enxergar futuros diferentes.

2 de novembro de 2009

Da série Eróticos Urbanos - 3

É o fim?

Ela recebeu o diagnóstico: mais 6 meses de vida. E só.
Primeira reação: pânico! O que fazer com tantos sonhos ainda por acontecer?
E as dívidas? E os desamores? As brigas, as reconciliações? As viagens que não realizou, as comidas que não experimentou, homens que não beijou, o bem que não causou...
Nem dormiu naquela noite. Precisava preparar os seis meses com tamanho capricho que tinha esperanças de levar como lembrança, mesmo que tênua, para a próxima encarnação.
Foi acalmando-se até que conseguiu começar a organizar as ideias.
Listou alguns itens, vontades para concretizar antes de bater as botas, mas apenas um.... um apenas... tirava-lhe o fôlego. Decidiu que esse seria o primeiro a receber um 'confere' ao lado, pós concretizado.
Ficou vermelha só de imaginar. E feliz em pensar que a morte trouxe alguma vantagem. Depois, ninguém nem saberia. E, se soubesse, ela já teria morrido mesmo...
Ligou para uma amiga estilo 'picante' e contou de um jeito torto o que queria: "Sabe, Telma, uma conhecida minha quer muito e como ela é tímida, resolvi ajudá-la. Você tem alguma dica?". A outra não tinha dicas, mas um manual de instruções super completo. E lá foi ela fazer algumas ligações, traçando o passo a passo.
Dois dias depois, tudo ajeitado, ela não se cabia de ansiedade. E riu-se: se não fosse o fim premeditado, jamais estaria fazendo algo assim.
Tomou um banho longo, colocou a melhor lingerie, vestiu-se como puta e desceu para pegar o carro.
Foi ao motel marcado, entrou na suite master e ficou à espera.
O primeiro tinha 1,89m, músculos que pareciam quando a gelatina passa do ponto, sabe? - que fica durinha. E uma tatuagem enorme, de dragão, nas costas. Era moreno, sorriso enigmático.
Entrou, sentou-se na cama e esperou. O segundo chegou em seguida. Tinha olhos bem claros, cabelo enroladinho e loiro. Menor no porte, mas, pela cueca marcada, maior no que de fato interessa. O terceiro, então, tinha cabelos longos, presos por rabo-de-cavalo, mestiço - um 'q' oriental. Pele branca, coxas e bunda fortes. Uma tatuagem de cobra acompanhava o contorno da perna.
Os três ali, semi nus. E ela, apenas de calcinha e sutiã rendados, num tom lilás que combinava com as cortinas do quarto.
Sentiu-se tão excitada e molhada que chegou a um orgasmo mental.
Pediu ao moreno que a beijasse. Ao loiro, que tirasse sua calcinha. E ao mestiço coube desfazer-se do sutiã.
E a onda de carícias, de seis mãos e três linguas, confundia-se no seu corpo trêmulo. Uma mistura de quente, morno e frio - lembrou-se das brincadeiras de infância e de como era feliz fingindo procurar algo escondido pelo amiguinho de escola, por quem ela sentia coisas que não sabia nominar.
As bocas, que agora beijavam a sua, traziam gostos que recordavam os chicletes mascados na juventude. Tutti-frutti, seu preferido, menta e fambroesa.
Deixou-se ser explorada em todos os seus cantos, cheios de segredos que ela não conhecia. "Nossa! Como Isso é booomm! Caramba! Não sabia que era possível tudo isso só com o toque dos dedos! Mamma Mia! Repete essa, por favor?"...
No terceiro orgasmo, resolveu parar de contar.
Fechou os olhos e, passivamente, recebeu aqueles membros. Parecia estar num estado de êxtase, fora do Planeta, longe das regras, dos pudores, dos medos, do que é bom, do que é certo, do que é possível.
Sentia-se flutuar enquanto seu sexo pulsava recebendo o calor de outros sexos.
Os quatro foram para a piscina e ela se deu conta de que saber nadar - coisa que não tinha no currículo pessoal - não lhe valeria de nada ali. Sentiu-se sereia, cavalo-marinho, golfinho e, por fim, a mais devota amante do boto.
Percebeu que cada poro, cada pedacinho de sua pele pediam mais. Por que só assim, tão perto da morte, permitiu-se tudo? Uma mulher que, aos 40 anos, dava-se o direito de fazer todas as bobagens que condenava em outras, mas que invejava no calar da noite, entre dois travesseiros vazios.
Também não queria mais entender nada. Desejava apenas, pelo menos mais uma vez, perceber-se viva, dona de um corpo transbordando de desejo.
Passaram-se as quatro horas. E ela invadiu mais uma, só que pediu para o moreno, o mais afetivo e cuidadoso, ficar um pouco mais. Os outros se foram.
E depois de um banho cheio de carícias, os dois deitaram-se na cama. Ela colocou a cabeça naquele peito maravilhoso e descansou. Contou para ele do dia em que nasceu, que sua mãe quase a teve no ônibus. Depois comentou da frustração de nunca ter tido filhos. Confessou que viveu relações nada a ver... falou de si, de suas emoções e frustrações. E da morte, que chegava querendo levá-la para sempre, justo agora que se entendia como alguém capaz de pulsar.
O homem moreno estava emocionado. Beijou-a longamente. Perguntou se ela queria algo mais. E ela pediu apenas que ele permanecesse ali, e adormeceu.
Quando acordou, estava num lugar diferente, totalmente branco, cheio de luzes claras e um cheiro delicioso de dama-da-noite. Olhou-se e percebeu-se leve demais. Foi quando entendeu que seu dia tinha chegado. Que já não era aquela mulher nua e devassa, no motel, depois de uma suruba inesquecível. Virou alma. E olha só: ali não parecia o inferno... Apesar de todas as safadezas, ela tinha sido poupada. E só teve total certeza disso quando percebeu um vulto vindo em sua direção, sorriso maroto e olhar enigmático. Caramba! Era o moreno! Só que agora ele portava um par de asas enormes... sim, ali era o paraíso!

1 de novembro de 2009

Da série Rapidinhas Urbanas - 2

Como todas

Ele olhou pra mim... me encarou de frente, embora, em passadas largas e rápidas, cruzamo-nos de lado.
Na segunda volta, ele chegou mais perto e encarou de novo - um leve sorriso que devolvo.
Grisalho, 1,70m, nem gordo nem magro, olhar tímido.... ai, ai...
Mas, na terceira volta, avisto-o de longe, e percebo que ele faz assim com outras tantas que caminham na minha frente.
Perdeu a graça, morreu o encanto. Pra ser mais uma, tô fora....acelero o passo e não o enxergo mais.

Eu tenho a força!

Hoje, parte da Liga da Justiça estava no parque. Vi de cara o Homem Aranha. Mais à frente, o Batman - sem o Robin, mas numa bat bicicleta super bacana, com as rodinhas de apoio atrás.
Tudo bem que ambos ainda são novatos na missão de combater o mal. O Homem Aranha beira os 5 anos de idade e o Batman deve ter quase 8.
Mas gritavam, apontavam para as coisas, cheios de energia e 'sede de vingança'.
Eu quase parei para dar umas dicas. Não que eu entenda de super-heróis, mas, me aproximando dos 50 anos, tenho certa visão de raio X para algumas coisas. Ia pedir que eles se unissem para pegar de jeito o bandido-deixa-coco-do-cachorro-no-chão. Esse vilão aparece - ou desaparece - quando você menos espera - você ou quem vem pouco atrás, porque, desavisado, acaba pisando na merda.
Tem também o bandido-sem-noção que por ter poderes ultra umbiganos (só servem pra ele mesmo), não sabe que dois corpos não cabem no mesmo espaço, e quase te derruba quando passa ao seu lado.
Queria pedir que o pequeno Aranha prendesse em sua mini teia os caras-de-pau-sujeira-no- chão que, por alguma mutação genética (são desprovidos de 'desconfiômetro'), desprezam as lixeiras e jogam papel, embalagens, latinhas de refrigerante na pista da caminhada.
E Batman poderia chamar a Bat Girl para que esta entrasse no banheiro feminino e desse o maior pito nas fora-da-lei-e-sem-descarga que andam fazendo suas necessidades por lá.
Sim... são infrações corriqueiras, pequenas até... mas para mini heróis, mini missões! 
E assim vão se fortalecendo contra tantas 'cripitonitas' cotidianas.

Bat-Ran é o personagem Ran fazendo um de seus 'covers'. Ran foi criado por Salvador Messina, ilustrador incrível. Confira outros desenhos nos endereços: www.ran.nafoto.net  www.fotolog.terra.com.br/universoran

Desconectando

-- Ele não respondeu ao seu email?
-- Não... nada.
-- Vai ver, ficou magoado.
-- Talvez, mas eu só reforcei o que ele mesmo me dizia.
-- Estranho, né?
-- Não é estranho. É um sinal claro.
-- Qual?
-- De que nos desconectamos.
-- Isso passa.
-- Acho que não. Nós nos passamos. Viramos passado.
Não cabemos mais no hoje, nem teremos amanhã.

24 de outubro de 2009

Da série Rapidinhas Urbanas

Pra onde?

Na esquina, a seta humana indica, num balanço em vai e vem:
140 metros quadrados, duas suítes, três vagas.
Na esquina seguinte, outra: 98 metros quadrados, 2 dormitórios (terceiro reversível). Dou voltas em busca da minha seta, que indique para onde devo levar esse desejo louco, que não cabe mais em mim.

Controlar

Fica decretado que todo namorado, nascido antes de 1962,
deve fazer uma inspeção ventricular.
Para ver se o coração é esperto, se a mente é  aberta
e a espinha ereta - porque, o mais, eu ajudo a ajustar.

Integração

Peguei o ônibus, entrei no trem e fiz baldeação no metrô.
Vida louca é essa que,sobre rodas e trilhos, me leva a todo canto,
menos à menor esquina de mim, onde ainda guardo segredos,
que desconheço. Um buraco que se abriu. Minha obra interrompida...

Fast food

De bandeja, te dou carne de primeira, pele macia, músculos bem feitos.
Falta, eu sei, a proteína que alimente o teu querer-me.
Mas não se avexe. Estou dando um jeito.
Você terá direito de servir-se à vontade. Garanto suco fresco
e deliciosa sobremesa: amor e sexo com calda de chocolate.

Caminhada no parque

Entre crianças correndo e cachorros na coleira,
vejo você surgir na multidão, em passadas largas.
Suor escorrendo nas faces, nos ombros morenos e pernas torneadas.
Queria, pois, ser uma gota, a percorrer teus músculos e pelos,
lambendo cada pedacinho seu, gosto salgado de quero mais.
Te vejo, então, na próxima volta. Quem sabe aí nos cruzemos?

Sessão das 10

Na fila infinda do cinema mais badalado
rostos-cabeça, que só curtem Almodovar,
me lembram um tempo em que o máximo era amar Fellini.
Sentia-me idiota. Nunca entendi seus filmes, nos meus 18 anos.
Permaneço idiota aos 47, porque não quero mais entendê-los.
Mas agora posso. Tenho esse direito. Porque amadureci.

Cegueira no parque

-- Manhê?! Ó o cacholo pequeno!!!
-- Mãnhê?! Ó o passalinho!!!
-- Mã?! Ó a forzinha!!!
-- Mã?! Ó o patinhu!!!
Sei que já fui assim um dia, quando tudo era especialmente lindo.
Só não consigo me lembrar onde abandonei esse olhar...

Há vida em Mari

Uma cena, também no parque, me comove tanto que quase deixo os olhos chorarem.
A idosa - bem idosa mesmo - na cadeira de rodas, parada sob a árvore, fazendo tricô.
O esposo - tão idoso quanto - sentado no banco, em frente a ela, massageando os pés de sua amada.
Acho que minhas sensações e sentimentos estão vivinhos. Só mudaram de lugar...

Incoerências confusas

O lava-rápido leva 40 minutos pra deixar um carro pronto.
O caixa eletrônico engole o cartão magnético - no sábado, quando não tem expediente bancário (nem no domingo, cacete!).
No happy hour pra relaxar, o assunto é o trabalho.
Os idosos sobem pela frente, descem pela frente e ficam de frente, em pé.
Fumantes só podem ficar na rua. Os bêbados permanecem nos bares.
Na primavera faz frio, o inverno é quente e pouco se sabe do outono.
A virada do ano é estressante, na estrada engarrafada, nas filas de pão e sem água.
(Mas a praia permanece lá, graças a Deus!)
Tem rodízio de carros, aumento de pistas nas marginais, só falta mesmo organizar a bagunça.
Os caminhões não circulam mais, os fretados também....
Também não tenho conseguido circular: só em primeira e segunda.
O primeiro panetone é vendido em setembro, a decoração do shopping fica pronta em outubro, mas o Natal continua acontecendo dezembro.
Odeio e amo esta cidade... incoerência danada!

19 de outubro de 2009

Da série Pausa

Paralisada


Estou esperando o medo passar. Depois volto. Prometo.
Vez ou outra ele me toma e me consome tanto que fico sem chão.
Estou grudada...segurando-me nas pontas de uma esperança mínima. Nem sei.
Quando ele se for relaxo, respiro, sorriu de novo...quem sabe?
Mas o medo tem dessas. Me faz achar que tudo isso não vai mais acontecer, e que ficarei assim: fadada a senti-lo, a perder-me nele... para nunca mais.

12 de outubro de 2009

Da série Feriado em Sampa

Caminhando e pensando

No sábado fez frio de 10 graus. O domingo me pegou de jeito com calor de 30.
Acordei convencida a caminhar. Elegi a avenida Paulista. Mas para chegar próximo a ela, peguei um trânsito 'a la sexta hora do rush' que eu não entendi! 
Parei o carro na Ana Rosa e fui a pé. Esse negócio de cortar por aqui e por ali pra fugir do engarrafamento é furada, porque todos os caminhos levam ao congestionamento.
Caraca! Quanta gente nessa cidade num feriado! Me deixem! Fui em frente, com meu tênis velho. Na entrada da Paulista já não havia carros. Então, cadê todo mundo que buzinava na minha orelha? Esquece. Caminhemos, pois. Os termômetros começaram avisando: 28 graus. Pouco depois, 31. Ainda bem que passei protetor. E reparei que a maioria das pessoas, embaixo desse forno a céu aberto, usa roupa preta. Foi quando me dei conta de que minha leg também é preta. Não é à toa que me sinto em franco derretimento. Acelerei as passadas, rumo ao futuro da avenida. Um jovem bicho-grilo, cabelo cheio de 'drads', andava a minha frente, de chinelo havaiana e uma mochila nas costas, com a logomarca do Bradesco. Adoro essas contradições... Pena eu fico mesmo é dos balconistas, obrigados a trabalhar num domingão como esse. Lojas abertas e gente comprando, especialmente nos minishopppings made in China. Faz sol, o que tem sido raro na cidade doida. Nem lembrava mais como era sentir a pele queimando e ter de espremer os olhos para enxergar. Passo pelo Banco Real onde há barraquinhas montadas vendendo de tudo, ao som de Tim Maia: 'eu só quero chocolate! Não adianta vir com guaraná pra mim...' Não... eu só quero mesmo é andar. Escuto conversas que desconheço: Arigatô! Sorry! Ich liebe dich! Gracias a la vida... e por aí vai. Salve a diversidade e os cursinhos de línguas!
Como tem gente que tira foto com os prédios ao fundo! E eu, que nasci e vivo aqui, não tenho foto minha na avenida... nenhuminha!
Já estou perto da Consolação, deu 12h30, e resolvo entrar na Haddock Lobo. O Fran's, bem ali, tem uma única mesa vaga na calçada. Sento. A maioria dos que estão lá forma casais homossexuais. Dois homens ao meu lado conversam animadamente. Na verdade, um. O outro escuta, fala pouco. Mas percebo que a conversa é totalmente hetero. "Terminamos, mas resolvemos continuar trabalhando juntos. Não deu. Ela cria sempre um problema. Não gosta da forma como encaminho as coisas. Eu antevejo o futuro. Ela pensa é no presente (e eu pensando comigo: nunca li 'Homens são de Marte, mulheres são de Vênus'...ou é o contrário?)". E o cara continuou monologando: "A gente traz coisas da forma que fomos criados, feridas... e aí cada um age como é melhor... e nós dois estávamos nos magoando. Era difícil porque eu sou sagitariano, sabe? Eu gosto muito dela, mas acho que criamos uma dependência ruim: ela satisfaz meu lado carente e eu satisfaço o seu lado material". Felizmente, antes que eu perguntasse qual era o signo dela e que carência material ela tinha, meu prato chegou. E me isolei - eu com minhas garfadas - até que vi uma pessoa se aproximando, sorrindo. Opa! E quem disse que em Sampa é difícil encontrar alguém conhecido? Pois eu sou expert em encontrar e ser encontrada. Amigo das antigas, de trabalho. Sentou-se. Gosto muito dele, nem sei bem porquê. Mas gosto. Profissionalmente, então, acho-o o máximo. Falamos dos trabalhos atuais, de amenidades para um domingão ensolarado, e acabei descobrindo que ele não tem predileção por ruivas (ah, bom!). As desenha no blog porque a cor facilita...vermelho. E com a cara mais leve do mundo (porque ele sempre foi um cara de aura leve - hum... acho que é por isso que gosto tanto dele) meu velho amigo se levanta. Eu fico pra terminar o suco de mamão, meio aguado. E estava pronta a prestar atenção novamente ao papo ao lado. Mas...foram embora e não percebi. Paguei a conta e rumei à Paulista. Deparei-me com um semáforo que marcava verde e vermelho ao mesmo tempo. E lembrei de situações recentes que vivi. Quanta falta faz um amarelo... Passei na frente da Casa das Rosas e me veio à lembrança um ex. O cara mais narcisista que já conheci. Mas são águas passadas. Atualmente estou sozinha. Quero distância de certas patologias. Cheguei perto de onde deixei o carro, de língua de fora (eu, é claro!), suada e com as pernas bambas. No botequinho árabe, entrei pra beber algo. A dona, sentada na mesinha, pergunta: "Que quer, menina?". Penso que os parâmetros de tempo mudam muito conforme a idade do observador. Peço um refri diet e um doce - adoro as minhas contradições. A senhora volta para trás do balcão quando me dirijo ao caixa. Me diz, na maior simplicidade, que tem inveja da coragem de pessoas como eu, que cortam o cabelo bem curtinho. Penso: "Pra mim corajosa é essa mulherada que acorda super cedo pra fazer escova, gasta os tubos pra alisar ou encrespar o cabelo e vive correndo da chuva pra não estragar a chapinha". E me lembro que quando estava caminhando, perto da Gazeta, um cara falou mais alto, pra eu escutar, ao passar por mim: "Oi, Elis Regina!" Juro que foi a cantada mais bacana que levei nos últimos tempos. Voltei pro carro cantarolando: 'quando caminho pela rua lado a lado com você, me deixas louca... você me abraça, a noite passa... meeeee deixas looouccaaaaa'. Paguei o estacionamento e voltei pra casa. Durante o banho revigorante, tive uma única certeza: caminhar é preciso!