27 de dezembro de 2010

Da série Crenças

Papai Noel?

Ele ficou a madrugada toda de pijama, acordado na frente da árvore esperando o bom velhinho.
Pra conseguir isso, teve de driblar um time de adultos que queria convencê-lo a dormir logo pra poder receber os presentes... mas só no dia seguinte.
Viu num programa de TV que era possível enganar essa moçada chata e insistente.
Bastava fazer cara de bonzinho, super convencido de que dormir seria a melhor opção naquele momento.
Beijou pai, mãe, mano mais velho, tia, avô, avó, a outra avó, a vizinha, o marido dela, a madrinha, o padrinho... e foi pra cama.
Duas vezes alguém do batalhão "veja lá se ele dormiu" foi até o quarto para verificar o estado das coisas.
E ele, mega esperto, estava atento, mantendo os olhos fechados e a cara de "dormi e não acordo tão cedo".
Ao fundo, ele ouvia uma falação sem tamanho. Risadas sufocadas por "Psiu! Ele vai acordar!" e algumas panelas e copos que se batiam na cozinha.
Manteve-se acordado até que o silêncio tomou conta da casa. Mais ao fundo ainda, o ronco do avô no quarto ao lado era a deixa pra saber que a área estava livre.
Meteu as pantufas de urso nos pés, fez um amontoado de travesseiros e lençol para fingir-se ainda ali, na cama, e saiu pé ante pé até chegar à sala e ao sofá, em frente a árvore onde os presentes seriam depositados pelo Noel.
Olhou no relógio e, como não sabia ainda ver as horas, deduziu qualquer coisa só para fingir-se dono da situação: "Duas da madrugada... falta pouco".
Nem bem pensou nisso, ouviu um barulho na parte de trás da casa.
Escondeu-se perto da estante velha e ficou ali, quase sem respirar. Queria assistir a tudo sem que o velhinho notasse sua presença. Afinal, se o visse à espreita, podia sentir-se invadido e desistir de sua missão.
Como estava meio escuro, só viu o vulto esgueirando-se. Um saco enorme e os movimentos de colocar coisas pelos cantos da sala.
Vai ver, era a nova ordem para a distribução, dando mais emoção à coisa.
Em menos de 15 minutos, tudo terminado. O bom velhinho saiu da casa, do mesmo jeito discreto que entrou.
O menino voltou pra cama com o coração aos pulos. Tinha valido à pena, mesmo sem ver ao certo a figura tão querida pelas crianças. Mas já podia contar na escola, na volta às aulas, que tinha conhecido Papai Noel. Haja assunto!
O dia acordou, ou melhor, foi acordado por um berro histérico da vovó, a primeira que se levantou para preparar o café.
Todos, assustados, foram ao seu encontro, inclusive o menino, morrendo de medo de que tivessem descoberto a sua traquinagem.
Atrás das pernas do pai ele viu o horror instalar-se na família bem no dia de Natal, que passou no colo da mãe, na delegacia.
O ladrão levou tudo! Do DVD aos celulares e enfeites de porcelana.
Mas o menino, de cara meio decepcionado, acabou se contentando. Podia contar na escola que assistiu a um assalto ao vivo, na noite de Natal.
Só torcia - e muito - que o larápio não tivesse encontrado o Papai Noel na saída da casa e roubado todos os presentes. Porque isso, sim, seria imperdoável!

Da série Férias

Flor da pele

Estou descalça. Sinto o asfalto, a relva, a areia, o pó que tudo cobre.
Sempre usei meus sapatos surrados, que hoje ficaram lá atrás.
Caminho com os pés livres. Sei que formará uma crosta no calcanhar. Isso sempre me assustou.
Mas percebo que será a minha proteção, para que eu possa caminhar em qualquer lugar.
Estou descalça e ainda me pego estranhando este ou outro solo.
É quando uso a ponta dos pés e equilibro-me na dúvida do que encontrarei logo ali.
É assim - me dizem - quando se aprende a andar.

Faxina

Tempo de jogar fora tudo o que está na prateleira do "nada a ver".
Êta prazer bom de desfazer-se do que não serve.
Cresceu a alma. Assim, algumas manias não me cabem mais.
Ainda guardo outras. Talvez as expulsarei em outro final de ano. Quando achar que não as necessito.
É fato que me sinto menor. Só levo comigo o que me preenche.
Nada de transbordar e limpar aquilo que não tem lugar.
O que seria isso?, pergunto-me. Amadurecimento ou estreiteza, respondo-me
Não sei, ao certo. Mas me contento com o pouco que em mim se contenta também.


Mudança

Tô na fase de arrumar o que levarei para minha casa nova, numa cidade nova, no novo interior.
É incrível como agora não existe espaço para o velho. Não no meu.
E desfaço-me tão tranquilamente de coisas que chego a flutuar nessa leveza que hoje é a minha vida.
Nova cidade, nova casa, novo momento que a cada dia se renova e me faz sonhar com o que achei ser impossível: a felicidade de quem pouco quer e tudo encontra em si mesmo.

7 de dezembro de 2010

Da série Cotidiano

Cacau
Ele me recebeu na rodoviária com uma caixa de bombons trufados.
Era em formato de coração a caixa.
Ganhar bombons é sempre uma delícia... mesmo...
Mas aqueles eram especiais. Meio mágicos.
Tinham mais do que recheio de frutas vermelhas, brigadeiro, doce de leite ou amarula.
Dez bombons delicadamente escolhidos.
Ele me explicou: "cada um representa um sentimento que tenho por você..."
Fiquei emocionada, abri o de frutas vermelhas e, enquanto o degustava, fiquei ouvindo sua voz doce enumerar: "amor, afeto, tesão, respeito, carinho, admiração, cumplicidade, amizade..."
Não quero mais nada. Só comer meus bombons.

25 de novembro de 2010

Da série Influência

A hora do pesadelo

Todo mundo - ou quase - já teve um pesadelo assim: você acha que não está dormindo. Se sente mega acordado, mas deitado na cama. E alguma coisa te prende, não deixa você abrir os olhos, não deixa você gritar, mexer-se ou qualquer coisa desse tipo.
É horrível e existem muitas teorias sobre, das quânticas às espíritas. Respeito todas. Defendo a minha, mas só pra mim mesmo, quando algo assim acontece e me pelo de medo.
Ontem, meu marido me contou que teve um sonho assim. De algo ou alguém querendo sugar a energia dele. Coisa ruim mesmo. E falamos um pouco sobre o que tais vivências podem significar.
Depois de assistir ao primeiro tempo do maldito jogo de meu time, que conseguiu não se classificar para a Copa Sulamericana, fomos deitar exaustos.
Bem cedinho, maridão foi para o trabalho e nos despedimos. Voltei para cama por mais uma horinha.
Nesse tempo, minha amiga, meu amigo, foi o ó!
Tive, então, um desses pesadelos que tiram o ar. Influenciada pela conversa da noite anterior, me vi deitada em minha cama, sem conseguir abrir os olhos. Fiz uma força sobrenatural para sentar-me e, quando consegui, ainda de olhos fechados, percebi que os travesseiros e o lençol grudaram no meu corpo, como tentáculos.
Eu gritava por dentro, porque a voz não saia: "Vou acabar com você, maldito!"; "Eu sou mais eu!" (até no sonho tenho essa coisa meio arrogante...) e por aí afora.
Parecia mesmo que eu estava acordada.
Em questão de segundos, parei de gritar pra dentro e lembrei do papo com o marido. Daí, mudei meu discurso: "Ah, peraí, seu peste! Você quer assustar a mim e ao meu marido, né? Tá querendo briga, é? Mas nós vamos unir as forças de nossas mentes e os raios que sairão dos olhos azuis destruirão o mal!" No mesmo instante, me dei conta das abobrinhas que estava falando e comecei a rir. Só que agora eu não sei te dizer se ri no pesadelo ou se já estava acordada. Porque meus olhos se abriram e vi, na parede, correndo em direção ao banheiro, uma aranha e-nor-me, meio cintilante e transparente. Uma coisa estranhíssima... os travesseiros e o lençol me soltaram, consegui falar alto: "Caraca!". Levantei num pulo e fui atrás da aranha.
Nada! Nem sinal. Se ela existiu, ninguém sabe, ninguém viu.
O que eu acho agora, depois dessa experiência doida, que sonhos assim não me pegam mais. Mas, se me pegarem... "que a força dos olhos azuis esteja com você!!!!"

19 de novembro de 2010

Da série Serviços

Não é bem uma Brastemp...

Os casamentos, dizem, entram em  crise aos 7 anos.
E os eletrodomésticos aos 5. Li isso em algum lugar ou acabei de inventar. Sei lá... mas que minha geladeira Brastemp está numa má fase, ah, isso está!
Há três meses, sem qualquer aviso, ela começou a piscar e berrar sem dó. Todo o painel se acende e o 'pipipipi...' me acorda de madrugada ou me tira da frente da TV. Às vezes, chego em casa e ela está agonizando. O 'pipipi...' já fraquinho e as luzes enlouquecidas: vermelho, verde, vermelho, verde... Lembro do robô doidão de Perdidos no Espaço: "Não tem registro! Não tem registro!" (quem tem menos de 40 anos nem sabe do que tô falando...).
Um imã de geladeira, que fica na porta da própria, mostra o fone do atendimento Brastemp.
Ligo lá (isso há três meses) e, cordialmente, pedem as informações, agendam a visita e eu fico no aguardo.
Aviso que posso às quintas, porque é quando minha auxiliar - que mantém minha casa um brinco - está lá, das 9 às 15h. "Pode deixar! Vou anotar aqui no protocolo o horário", responde prontamente a atendente X.
Só que no dia agendado, minha auxiliar me liga às 16h para contar que até então nada do técnico. Então eu ligo lá, no pronto atendimento Brastemp, falo com Y e ela me diz que no protocolo está escrito "horário comercial". Eu teimo. Ela teima e ficamos nessa teimosia besta. Ela me diz que vai ligar para o técnico e pedir um posicionamento... boa... nada como um posicionamento para acalmar qualquer dona de Brastemp. Nisso a minha auxiliar liga pra avisar que o fulano técnico está lá, o seu Mané.
E tudo caminha bem, até eu chegar em casa. Vejo a nota fiscal. Quase 400 paus entre peças (de descongelamento automático) e mão-de-obra. O que a gente não faz por uma Brastemp, não é mesmo?
Tem um bilhete escrito pela minha auxiliar: "Mari, o seu Mané disse que a geladeira tinha de estar desligada pra ele fazer o serviço. E como não estava, falou que tem de ficar hoje a noite toda e só ligar amanhã". Não dei muita bola até me lembrar que na geladeira havia comida altamente perecível. Que acabei jogando fora no dia seguinte, com medo de consumi-la e pagar o maior pau!
Os dias se passaram... eu olhava feliz para a minha Brastemp, pensando comigo mesma: "Superamos essa crise, companheira!".
Três semanas depois, no meio da noite, sonho que uma sirene se aproxima da porta de minha casa. Vou olhar pela janela e não vejo nada. Acordo e percebo que a sirene, na verdade, é minha Brastemp apitando...piscando...berrando!!!!
Desligo a coitada e depois de um tempo ligo de novo. Silêncio total. Que dura só até meu retorno ao lar, à noite. Ela voltou a berrar e iluminar-se sem fim.
Outra vez, ligo para a assistência técnica...outra vez tudo se repete, mas fui esperta! Desliguei a geladeira na noite anterior à vinda do técnico. Que, pasmem!, é o mesmo sr. Mané. Desta vez ele não chegou tão tarde.
E a vida continua... até que, no meio do Jornal Nacional, ela volta a apitar.
Aí, amigos, eu já me irritei total! A sorte é que tudo está na garantia. O azar é que, ao ligar para a assistência técnica e relatar tudo de novo, pedindo, pelamordedeus, que mandem outro técnico, o simpático mocinho confessa que, na minha região, só tem essa assistência autorizada... e suplica: "Vamos dar mais uma chance para ele, dona Mariângela". Nessas horas, minha formação cristã baixa com tudo e respondo: "Amém!!!"
No dia marcado, seu Mané apareceu às 17h55 e minha auxiliar, que mora pra lá do lá, tinha me ligado às 17h, pedindo pra ir embora porque a vida dela não é uma Brastemp e ela teria de fazer o seu segundo turno de trabalho. Ela se foi e seu Mané bateu o nariz na porta. E eu de novo perdi comida na geladeira desligada. Reagendei a visita. E a geladeira agonizando, todos os dias, pedindo-me socorro!
Ontem foi o dia do retorno dos que não foram. O dia que o seu Mané ia em casa.
Temendo que ele chegasse tarde e atrapalhasse a vida de minha auxiliar, pedi a minha mãe que fosse pra casa depois do almoço. A assitência técnica me ligou às 17h para avisar que o técnico daria uma atrasadinha. Se para mim tudo bem. Liguei pra mãe que concordou em esperar mais um pouco. Deu 19h, esta me liga: "Nada do seu Mané, filha". E eu, mais q p.. da vida com o Mané, falei pra ela desencanar e ir embora. Logo em seguida, mamãe me retorna dizendo que cruzou com seu Mané na portaria e já estava em casa de novo. "Só que ele disse que não pode fazer o serviço porque você deixou a geladeira desligada..." Meu sangue subiu tanto nessa hora que senti tudo vermelho. O coração acelerou e eu comecei a suar. "Deixa eu falar com ele, mãe!"
Vem o seu Mané na linha: "Pois não, dona Mariângela" . E aí mandei meu lado cristão pras cucuias. Disse tudo e mais um pouco, mantendo a educação que me foi dada, mas disse. "Seu Mané, o senhor falou que era pra deixar desligada. Ficou brabo uma vez que eu não deixei...". Ele: "Dona, mas é que era outra peça. Agora será outra que preciso ver quando está ligada". Eu: "Mas, seu Mané, quantas peças o senhor vai trocar pra ajustar a geladeira? Vai trocar ela inteira? Por que o senhor não admite que não sabe o que é e manda outro Mané pra fazer o serviço?" Ele: "Eu sei o que é e quero resolver!". Eu: "Já marcamos isso várias vezes. Tô perdendo comida, logo vou perder minha auxiliar e minha mãe vai me deserdar... o senhor não cumpre nada, nem horário, seu Mané!". Ele: "Prometo pra senhora que, na quinta que vem, chego entre 9 e 12h e conserto sua geladeira!". Respiro fundo, penso na família do seu Mané, no quanto pra ele deve ser complicado não saber resolver um problema, e respondo:"Tudo bem. Mas será a sua última chance".
E até lá, meus amigos, tenho de convencer a minha Brastemp a segurar as pontas, a aguentar firme por mais alguns dias... essa, sim, será a mais difícil tarefa.

18 de novembro de 2010

Da série Pressa

Imediatamente já

Já tem gente armando a árvore de Natal...
Por que será que as pessoas têm tanta pressa pra que o ano acabe?
Gente! Pare e pense: quanto mais rápido, mais velho!
Eu prefiro ir devagar... sorver cada segundo durante uma hora inteira!
Tô na Páscoa ainda. Tenho ovos que nem abri. Amanhã desembalo mais um. Faço aquela cara de "o que será que tem dentro?"
Abro e curto cada pedacinho do chocolate perfeito - porque não existe chocolate imperfeito.
Então, parem de querer me vender panetone! Não estou a fim de comprar a tele-sena de Natal.
Deixem-me viver um dia após o outro, de-va-ga-ri-nho.
Pra que essa angústia toda, hein? Hein?
Porque o Natal vem, quando tiver de vir. Nem um dia a mais, nem a menos.
E depois dele? Qual será a próxima urgência? O Ano Novo? O Carnaval?
Cara! Me deixa, porque ainda tô na Páscoa...


Sem tempo

Ela ficou grávida. Não estava nos planos, mas já que veio... vamos em frente!
O problema é que ela não tinha qualquer paciência. Nove meses é tempo demais, pessoas!
Pra ela era uma eternidade que ia aumentando conforme o tamanho e o peso da barriga.
Lá pelo quarto mês (vejam como era impaciente a menina!) ela se irritou de vez.
Decidiu que faria algo para acelerar esse processo e ter o filho (ou filha - ela ainda não sabia) antes dos 9 meses.
Mas, claro, perfeitinho, no tamanho normal e sem qualquer complicação.
Pesquisou tudo o que conseguiu sobre aceleração do tempo, assistiu 10 vezes o filme que o cara vai pro passado, pro futuro e não para nessa loucura de ir e vir, leu artigos científicos e tudo o mais.
Daí que só nisso foram três meses. Assim, no sétimo mês, ela estava sentadinha numa sala maluca, esperando um cientista super doido, indicado pela prima da vizinha da tia avó da melhor amiga da cunhada dela.
Sabia-se que o tal era um gênio, mas se tinha feito alguma descoberta sobre acelerar o tempo, ninguém nem imaginava.
Mas não custava tentar. E foi isso que ela fez. E por isso estava lá, naquele lugar esquisito, cheio de ferramentas, máquinas, jornal velho e cheiro de mijo.
De repente, a porta abriu-se e surgiu o cientista, mais pra professor Pardal do que qualquer personagem das séries de aventuras interplanetárias que passam na TV.
Mas ele tinha carisma. Ou, talvez, a moça apressada era muito babaca mesmo. Só sei que ele a convenceu de que era possível, sim, acelerar o tempo.
Bastava sentar na cadeira temporal, atrás do biombo e ao lado da privada, conectar-se aos fios e outros ganchos estranhos que ali se penduravam e fechar os olhos para esperar... esperar o que mesmo? Ah, sim... que, ao ligar o botão do tempo, a viagem começasse.
Porém.... claro que tudo tem um porém.... ele não podia afirmar que a aceleração seria exatamente os 2 meses que ela queria saltar da gravidez. Podia ser mais ou podia ser menos.
Mas quem não vive de risco? E a doida topou.
Sentou-se na cadeira, deixou-se amarrar e conectar tudo o que tinha direito. Fechou os olhos e esperou o cientista gritar: 'Já!'.
Esperou, esperou... abriu um olho, abriu o outro... e o cientista lá, parado, de costas, na frente de um painel todo luminoso. Ficou quieta e fez força, fechando os olhos para concentrar-se.
Foi aí, nesse exato momento, que ela sentiu que tudo estava molhado.
Caramba! Será que ela foi parar no meio do mar?
Que nada, tontinha! Foi a bolsa que estourou.
Felizmente, mesmo doidão, o cientista era rápido para tomar as devidas providências.
Levou a grávida, em trabalho de parto, no 7º mês, para a maternidade mais próxima.
Blade Runner (ela gostou do nome quando viu o filme, durante suas pesquisas sobre futuro) nasceu pré-maturo, mas super saudável. Quase 3 quilos. Loirinho como o pai. Ficou um mês no berçário.
A mãe doidinha ia e vinha do hospital para dar de mamar ao seu pequeno viajante do tempo.
O cientista acabou aceitando ser o padrinho de batismo.
E a vida continuou igual no Planeta Terra. Só começou a querer bagunçar de novo quando a mãe doidinha resolveu que o filho ia pular a fase escolar pra ir direto à faculdade.
Felizmente, o padrinho cientista, sabendo dos devaneios da moçoila, manteve uma placa de "volto logo" pendurada na porta de seu laboratório. Reza a lenda que, pelo estado da cadeira temporal, a viagem do cara foi pra bem longe... tô achando até que esse aí não volta mais.

10 de novembro de 2010

Da série Concurso

Noivamente

No mês de maio ela tirava o vestido da caixa.
Antiga ela. Queria casar no mês de maio. Mas nunca aconteceu nada, nem antes, nem depois.
Até que um dia, solitária, resolveu picar o vestido e fazer dele pedaços.
Entremeou-os com outras sedas, de cores fortes, como a vida teimava em não lhe ser.
Fez dali uma colcha, que ficou pronta na primavera quando ela a expôs na sua cama sempre vazia e empoeirada dela mesma.
Saiu para caminhar na praça, porque só isso a fazia sentir-se no mundo.
O céu fechou-se de repente e ela ficou ilhada, no coreto, esperando a tempestade passar.
O sol brilhou tímido por trás da torre da igreja, matriz em que ela tanto sonhava pisar, vestida no que agora virou uma colcha, mulher retalho.
Voltou para casa, encharcada pela chuva, que adentrara pelas janelas raramente abertas.
Chegou ao quarto e levou um susto suspirado, daqueles em que o som sai repentino.
A colcha tinha virado um jardim de flores, de hastes longas e fortes.
Um beija-flor sugava o néctar de uma delas. Era azul a flor, era verde o que a beijava.
A mulher retalho percebeu que desabrochava e que o tempo havia parado ali para que a vida tomasse novo rumo e se re-engatasse.
Sentindo-se outra, mais relva do que crepúsculo, tirou a roupa e vestiu-se na colcha, saindo pelas ruas que cheiravam à dama da noite.
Agora ela sabia: era chegada a hora de encontrar seu jardineiro.


Com esta crônica, fui classificada em segundo lugar em um concurso promovido pelo jornal e associação de escritores da cidade onde moro metade de meus dias, mas que, muito em breve, será definitivamente a minha cidade.

23 de outubro de 2010

Da série Pausa

Essência

A pétala jaz ao lado do vaso,
enquanto a rosa descansa na água.
Logo mais, outra pétala há de estar ali, caída.
E mais outra, outra...
Mas ao olhar para a rosa, se saberá que assim ela é.
Até que a última pétala se vá.
Não será mais uma rosa,
mas eternamente flor.

11 de outubro de 2010

Da série Dia da Criança

Irmã mais velha

Você, que já foi criança, tem alguma coisa que vem a sua cabeça quando o tema é infância?
Uma frase, um momento, um brinquedo, uma pessoa...
Pode ser uma lembrança boa ou daquelas que arrepiam.
Claro que você tem algo assim pra recordar.
Eu tenho várias, mas a que volta vez ou outra foi quando descobri que Papai Noel era, na verdade, o dono da loja de brinquedos, amigo do meu pai.
Vi ele entregar a bicicleta, no portão de casa, dia 24 à tarde. Pior do que descobrir a inexistência do barbudo, amiga, foi ser cobrada pela minha mãe a não contar para meus irmãos (eu com 10 anos, mano com 8 e maninha com 2).
Segurar a revelação pro meu irmão até era fácil. Dois ou três anos mais e boa. Ele acabaria sacando que algo estava estranho - assim como eu saquei. Mas, e minha irmã, que tinha uma longa jornada de ingenuidade pela frente? Maldição das irmãs mais velhas!
O complicado era quando batia aquela vontade cruel de sacanear os manos depois de alguma briga ou de levar bronca dos pais por algo que eu não fiz e foi obra, sim, de um deles.
Vontade de gritar: " Papai Noel não existe, bobões!"
Eu me contorcia por dentro quando momentos assim me vinham. Devo confessar que até hoje acho que fui muito madura guardando um segredo desses - e depois zelando para que meu irmão do meio não abrisse o bico pra caçula quando ele, um ano depois, fez a sua descoberta. Missão complicada que só acabou quando minha irmã, aos 6 anos, veio toda cheia me dizer: "Sabe de uma coisa? Papai Noel não existe!". Na hora bateu muita raiva. Imagine se eu ainda acreditasse no velhinho? (Tá! Sei que aos 14 anos isso seria quase impossível, mas, e daí?) Que sacanagem! Tudo o que eu tinha passado pra não dizer nada a ela... e a danada vem assim, a seco. Mas não deixei por menos. Olhei nos olhos da caçula com a maior cara de mana mais velha. E soltei: "Querida, sei disso há muuuuuuuuito tempo!". Virei as costas e sai com aquele sorrisinho cruel no canto da boca.
........................ 

Tem outra lembrança da infância que às vezes bate, fazendo-me voltar no tempo: o nosso quintal.
Era enorme... comprido. E cheio de bat-cavernas, naves espaciais... ali, especialmente com meu irmão, dois anos mais novo que eu, vivíamos aventuras incríveis! Os seriados, que assistíamos à tardinha, depois da lição feita, viravam inspiração para as brincadeiras que compartilhávamos no quintal. Transformar o muro em painel da nave de Perdidos no Espaço era uma diversão. Lembro que meu irmão pregava tampas velhas de panela e rodinhas dos carrinhos quebrados naquele muro, que eram os controles para dirigirmos a nave.
O barracão, no fundo, virava a bat-caverna, com milhares de artifícios para vencer o mal.
E, no final de tudo, voltávamos à Terra ou à mansão do homem-morcego, chamados pela minha mãe, que avisava que o copo de café com leite e o bolo de laranja estavam prontos. O nosso lanchinho diário.
Sentávamos no degrau da cozinha para comer, tendo ao fundo a rádio novela ou o programa da Hebe Camargo. E, até hoje, quando passo em alguns lugares - raros - sinto o cheiro da cêra vermelha que minha mãe passava no chão da cozinha e que eu sempre associei à limpeza e à infãncia... lembranças...

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Hoje tenho uma "neta torta", como diz meu marido. Cada vez que a vejo - e hoje está com 4 meses - fico emocionada. Nem sei bem porquê, mas é um misto do que fui, do que vivi com meu filho e do que a vida traz todas as vezes que uma criança nasce. Não sei explicar, mas olho para ela e me emociono. Vontade louca de ganhar o poder de reviver meus 4 meses e entendê-los, já que lá atrás, quando eu ainda nem engatinhava, qualquer consciência inexistia. Talvez, se tivessemos essa lembrança, desde a hora em que a luz deste mundo cega nossos olhos, entenderíamos muito mais de nós mesmos.
Como será que meus pais me viram assim, tão pequena e desprotegida? Será que meu pai se conformou logo de eu ser menina (ele queria um menino, declaradamente)? E minha mãe, com 22 anos? O que bateu nela? Teve tanto medo como eu tive quando meu filho veio para amamentar pela primeira vez? E qual será que foi a minha sensação quando eu disse a primeira palavra inteira? Me dei conta de que estava certa? Será que saquei só quando minha mãe bateu palmas e me abraçou forte pedindo que eu a repetisse? E quando comecei a andar. Que raciocínio eu segui para poder ficar em pé e dar um passo pós outro? Usei da observação pura ou um instinto estava ali, presente, pronto a me colocar em pé? Será que realmente eu gostava do leite materno ou, por falta de opção, acabava aceitando aquela coisa amarga?
E aos dois anos, quando meu irmão nasceu. Tive ciúmes? Fiquei feliz? Aliás, será que eu entendi o que estava acontecendo e que aquele garoto fofo e chorão era meu irmão e não mais um brinquedo?
A primeira injeção que tomei... o tombo que levei, antes mesmo de caminhar...
Quer saber? Melhor que a nossa lembrança não vá até os primórdios. Porque tem coisas que... deixa pra lá...

28 de setembro de 2010

Da série Cotidiano

Tudo a ver

Chuva e preguiça tem tudo a ver.
O que mais tem a ver assim?
Sua pele e a minha.
Porque, sob as cobertas, no domingo gelado,
o calor que emanamos esquenta a vida.
E fazemos disso o nosso sol particular.


Cachaça

Quando bate a 'marvada',
é ela quem nos salva: a pinga.
Até nisso combinamos.
Gostamos das mesmas - que não queimam, mas aquecem.
Nada de coisa melada. Porque de doce basta-me você.
E embriagados, sozinhos, rimos e rimos de nossas histórias.
'Causos' e verdades que falamos assim, sem ponto nem vírgula,
apenas abraçados, celebrando um encontro regado à vida.


Caminhada

Você corre, eu caminho. Rápido, mas caminho.
Cada um no seu ritmo. Cada qual no seu espaço.
Mas quando nos cruzamos - isso é sempre e é fato -
há um real encontro:
de almas, de corpos, de pulsares.
Você corre, eu caminho. Ambos na mesma direção.


Massagem

-- Vou pegar o creme.
-- Tá. Pega lá.
-- Pronto. Tá aqui.
-- Eu faço em você.
-- Mas depois eu é quem faço em você.
-- Tá bom.
E é assim que assistimos à TV.
Você fazendo massagem em meus pés.
E eu fazendo nos seus.

Partida

Começa  a clarear o dia quando te vejo pela janela do ônibus,
mandando-me beijos da plataforma.
Você vai ficando pequeno e meu coração apertado.
Vontade de chorar, pedir pra descer e nunca mais sair do seu lado.
Um dia tudo isso muda. Não teremos adeus semanais, nem sensação de partida.
Ficarei contigo 24 horas, sem folga.
É assim que me quero para sempre.
Mas até lá, te digo adeus. Você na plataforma.
E a manhã mais uma vez nasce triste...

20 de setembro de 2010

Da série Amar é...

Quando a gente ama, a coisa é assim:
tão intensamente juntos, tudo o tempo todo temos...
E de tanto, pouco resta de vazio.
Somos, um do outro, o recheio.

Da série Eu volto

Virada
Não desistam de mim. Porque eu não desisti... nem de mim, nem de vocês.
Apenas estou nos primeiros passos daquela tal virada, dos 180 graus.
Demora um tempo para determinar em que ângulo as coisas estão.
Início de curva, mesmo sabendo-se a medida, é uma emoção. O que virá em seguida?
Será mais ou será menos côncavo em uma vida que era assim, tão convexa?
Peço a cada um, paciência. Não aquela em que a gente "bufa" antes de explodir.
Peço uma paciência mais amorosa, do tipo que temos quando nossos filhos estão começando a andar...
Caem, levantam, tropeçam, caem de novo. Mas estamos lá, torcendo, incentivando.
É disso que preciso hoje, porque chegarei lá, do outro lado do ângulo.
Mais aberta, menos exata. Do jeito que eu sempre quis, mas nunca ousei tentar.

3 de setembro de 2010

Da série Diálogos indecentes

Mega Sena

-- Amor, amor!!! Joguei na mega! Tá acumulada.
-- Também joguei.
-- Jogou?! Mas você sempre foi contra, dizia que nada a ver, que isso é coisa de babaca...
-- Sim... continuo pensando a mesma coisa. O que não muda em nada o fato de que são... 80 milhões!!!!

Redes sociais

-- Você viu o torpedo que te mandei hoje de manhã?
-- Não... acho que não recebi. De que se tratava?
-- Eu dizia que deixei no seu orkut uma mensagem pra você responder depois que visse o meu facebook onde postei uma foto que baixei do flicker por causa de uma dica que veio pelo twitter de um amigo do Hi5, que me add depois que viu meu vídeo no Youtube.
-- E qual era a mensagem?
-- Ah, era assim, ó: 'E aí? Curtiu?'

Eleição

-- Tô na maior dúvida em quem votar.
-- Acho que posso te ajudar.
-- É? Como?
-- Criei um menu de opções variadas. Aí vc escolhe. É o mesmo sistema de restaurante que serve prato feito, sabe? Opção 1, 2, 3 ou 4.
-- Sei. E como posso ter acesso a isso?
-- Ah, te mando por email. Tá tudo bem organizadinho. Pro Senado, por exemplo, você escolhe um cantor (temos algumas boas opções). Para deputado federal tem palhaço e mulheres-frutas. Escolha conforme seu humor ou dieta. Para deputado estadual, tem de pastor a filho de radialista e apresentador de TV. Veja o que dá mais ibope. Por fim, para governador, você pode separar em dois grupos: os super manjados e os manjadinhos. Porque são todos caras conhecidos. Melhor optar pelo que te acompanha desde pequenino.
-- E pra presidente?
-- Mas tu é muito do folgado, né? Aí é contigo, mané! Porque algum esforço pra essa eleição você tem de fazer, caramba!

A alma do negócio

-- Achei tão absurdo manter aquela mulher como garota propaganda de cerveja, cara! Ela foi presa por porte de cocaína! Imagina!
-- Ah... mas deve ser jogada de marketing.
-- Só se for jogada negativa...
-- Nada! Quem que não queria ter uma loira branquinha pra curtir todo dia?

31 de agosto de 2010

Da série Declarações

Diretas e retas

  • De nada sinto tanta falta como a falta de seu peito sob minha cabeça a repousar em ti.
  • Não quero mais cores. Só o azul dos teus olhos faz sentido ao meu arco-íris.
  • Quando estava livre, prendia-me à ausência. Hoje, que em ti me prendo, liberto-me da solidão.
  • Nada preenchia o oco do meu peito. Agora ele transborda só você... você... você...
  • As tuas mãos sentem à flor de minha pele os poros que por ti suspiram em coro.
  • Contigo sinto-me tão outra que, às vezes, o meu ciúme de ti por amar essa chega a cutucar esta aqui, a tola.
  • No céu da tua boca está o universo onde nossa história para sempre há de orbitar.
  • No seu ouvido, então arrepiado, confesso o que nenhum ouvido outro jamais escutou.

28 de agosto de 2010

Da série Massagem

Arrepio

Na nova fase consigo me dar presentinhos. E semanalmante a Lili usa a força de suas mãos para drenar meu corpo cansado de cinco dias de sapos engolidos. Preciso retirá-los pelos poros, logo na manhãzinha de sábado, para dar lugar ao que realmente me interessa.
Eu na maca e ela, mulher sofrida, mãe de filha com necessidades especiais, esposa de um homem que a trai há dois anos, aperta com força minhas pernas, minhas costas, drena cada parte de mim como se arrancasse de si mesma a dor que está evidente em seu rosto, logo quando me abre a porta e me diz um 'bom dia' duvidoso.
Deito na maca e penso o que eu seria se no lugar dela estivesse. E agradeço a Deus porque meu destino é outro e o que preciso ali, pura e simplesmente, é de um pouco de sossego, relax total e expurgar o que me é impuro e que ainda está lá dentro.
Porque tenho um filho lindo, saudável, um marido bacana e fiel, uma vida estruturada e estou me dando o direito de mudá-la, moldada ao que me faz feliz hoje.

(pausa: mudei também o layout do blog. Gostou? Sinto-o mais suave, assim como me sinto...)

Lili coloca no toca CD uma música que nunca ouvi. E de tão linda, sem querer, percebo uma lágrima rolar no canto de meu olho. Percebo, também, que o belo me toca tanto hoje, que ainda não o domino por inteiro... e deixo que a lágrima, também drenada de minha alma renovada, role e inunde meu rosto que hoje está descansado.
A música, doce, singela, só tocada, vai entrando pelos ouvidos e faz um caminho que me arrepia.
Lili pergunta se estou com frio e digo que não. Na verdade, nunca me senti tão aquecida assim, por dentro.
O caminho do som parece tão claro que chego a enxergá-lo passando pela garganta, espalhando-se nos pulmões, rins, dando um looping e invadindo o coração, onde fica por mais tempo, deixando-se bombar pelo ritmo calmo que ora pulsa.
Depois, sai dali fortalecida, a música, e percorre braços, pernas, volta pelo mesmo caminho da ida e esvai-se pelas lágrimas que continuo a não controlar, casadas a um sorriso leve e a um forte suspiro junto ao último acorde da música no CD player.
Hora de dizer 'até mais!' à Lili para começar meu fim de semana de um jeito meu.
Só fico triste ao perceber que ela, a massagista, se despede e fica à porta, olhando-me, com aquela postura derrotada e infeliz.
Tomara que alguma coisa boa tenha ficado nela, nem que sejam as poucas palavras de consolo que pronunciei depois que ela se abriu comigo.
Tomara! Porque eu devo muito à Lili, que todos os sábados drena de mim aquilo que de mim não quero mais.

13 de agosto de 2010

Da série Mudanças

Paulão

Hoje eu conheci o Paulão. Cabelos lisos semilongos. Sotaque nordestino e um cabra prático pra caramba.
Faz de um posto de gasolina o seu point para as negociações: compra e venda de carros usados.
Analisou meu Celtinha 2005/2006 com olhos de águia: "Aqui a batida foi fraca. Aqui eles remendaram mal. Coisa feita por essas autorizadas... mas é fácil de ajustar... os pneus estão bons, hein? Só 35 mil km... bem cuidadinho. Nossa! O estepe é original e nunca foi usado?!" - em 4 anos, nunca furou o pneu.... sortuda eu!- e assim foi. Cada detalhe um comentário, mas nada que desabonasse o meu companheiro de idas e vindas nessa louca cidade onde sobrevivo.
"A senhora não quer baixar um pouco o preço pra ajudar a gente?". Sorri e respondi em cima: "Se eu ajudo você, quem vai me ajudar?" Ele riu também. "Moça esperta, hein?"
No posto, mais dois carros se enfileiravam ao lado do meu, à espera da vistoria simpática do Paulão.
Eram um outro Celta e um Palio. Ambos visivelmente judiados.
"Veja só, moça: as pessoas não cuidam das coisas, né? A senhora, não. Deu uma raladinha, já tá lá, mandando arrumar. Isso é muito importante na vida. Não deixar as coisas chegarem num ponto em que não tem mais jeito..."
Frase sábia do Paulão. Além de 'roleiro' de carro, é filósofo de posto de gasolina.
E tá certíssimo o cabra! Por isso mesmo vendi meu carro. Não quero outro. Se tiver de ter um, será o que meu marido deixa em casa, na garagem, porque na nossa cidade de interior ele não precisa ir e vir sobre 4 rodas. Nem ele, nem eu. Enquanto isso, vou caminhar muito, subir e descer de metrô, se preciso for. Mas nada de buzinas, congestionamento, raladas de motoqueiros, barbeiragens minhas, dos outros... chega! Antes que não tenha mais jeito, vou mesmo seguir os conselhos do Paulão.
Acertei o negócio, apertamos cordialmente as mãos, agradeci por cuidar de meu amigo flex e segui em frente, de mochila nas costas e energia na alma.
Porque uma nova caminhada começa agora!

9 de agosto de 2010

Da série Retorno

Peixe fora d'água

Estou de volta ao vazio dos muitos carros que se atropelam nas ruas estreitas.
Sufoco-me no ar pesado e cinza que paira entre os arranhacéus.
Vejo as caras cansadas e as almas penadas dessa gente que sobrevive.
Não sou mais daqui. Peixe fora da água deste mar de concreto.
Quero voltar para perto das capivaras, abanando as orelhas.
Preciso do sabor natural do sorvete que me alimenta nas tardes quentes, sentada no banco da praça.
Necessito descer e subir as ladeiras, sempre a pé e devagar.
Quero deixar as portas destrancadas e os vidros abertos - como fica meu coração quando lá estou -, sabendo que não serei invadida.
Gosto de fazer bolo de laranja e levar um pedaço quentinho ao meu novo amigo, o porteiro do prédio aconchegante, de três andares, onde mergulho nos meus dias de paz.
Fazer compras nas lojas simples, de preços justos e pessoas sensatas.
Caminhar no parque da juventude - point da cidade -, sentindo-me como tal, mesmo beirando os 50 anos.
Amar meu marido de um jeito tão sereno como nunca havia, assim, amado.
Esperá-lo para jantar, assistir à TV, falar de nós, dos outros, do mundo e de planos.
Dormir cedo, acordar no pique, querer viver mais e mais essa vida em que o dia tem, sim, 24 horas, sentidas e curtidas como que eternas.
Voltei... mas não é aqui que me encontro. Preciso retornar ao meu mundo. Preciso reencontrar as capivaras!

4 de agosto de 2010

Da série Férias - parte 3

Fazendo amigos, influenciando pessoas...


Conheci gente nova nestas férias.
Umas bem interessantes, outras nem tanto.
De qualquer forma, são rostos e ideias diferentes para assimilar ou descartar.
Mas aqui vou falar de três seres que caminham juntos e que cruzei por aí.
Nunca trocamos palavra. Mas nos olhamos e sorrimos, como que cúmplices de alguma coisa.
Eles são corpulentos e, ao mesmo tempo, ágeis. E aparecem em determinados períodos do dia, como bem cedinho, quando coloco meu par de tênis novos e vou caminhar ligeiro pelas ladeiras bem generosas de Itatiba.
Te disse que são três amigas? Confesso que não sei ao certo. Nem sei também se são mulheres mesmo. Mas que caminham juntas, disso eu tenho certeza. Não se largam, como as meninas pré-adolescentes que, de mãos dadas, alegremente voltam da escola, contando segredos e rindo baixinho.
As tais ficam mais de costas do que de frente para quem passa. Só olham de cantinho pra mim - pelo menos assim imagino -, que curvo a cabeça cumprimentando-as solenemente. Sim, porque as admiro. Muito. E por pouco não as invejo.
Não as invejo hoje, quando me sinto como elas: livre e muito leve. Mas as invejaria se as encontrasse em um outro tempo - aquele que deixei para trás, há alguns meses.
Nas vezes em que nos cruzamos, as meninas meio que cochilavam e meio que curtiam o sol, queimando-lhes a pele, aquecendo-as da água fria do rio.
As pedras, onde se aconchegam, estão completamente esverdeadas tamanha umidade. Mas elas não se importam e ali permanecem por horas.
Paro alguns minutos para admirá-las, até que uma delas, querendo exibir aquele corpão queimado e molhado, mergulha no rio e vem em minha direção, fazendo sons que não sei reproduzir. Ela me vê na ponte, sobre sua cabeça, e acena com as orelhas. Sim, com as orelhas. Coisa que, se você não sabe, eu também sei fazer.... isso que é cumplicidade! Eu as entendo, elas me olham, nossas orelhas se falam, enquanto para elas, capivaras, o rio flui e as leva com a correnteza, sem destino ou compromisso. Deste lado, em cima da ponte, o vento que sopra também me manda para outros caminhos, novos desejos e uma vontade incontrolável de nadar pela vida e recostar em pedras úmidas, com o sol me aquecendo, enquanto mexo as orelhas para dizer 'bye, bye'...

2 de agosto de 2010

Da série Férias -parte 2

Despontuada

Deste tempo que vivo como nunca antes vêm uma doçura e um desejo de silêncio no dizer pelas teclas que não sei Mas é tão pleno que me sossega e me faz rever o tudo que sempre fui e tive e que hoje não muito me significam Porque quero mais Estou numa especial fase de aprendizado Aquelas raras e intensas que não se traduzem nem se explicam Aprendo tanto que respiro fundo para caber-me de novos espaços Amo o que vejo e pressinto e deixo qualquer vírgula para trás porque não combina neste roteiro com um 'q' 'saramaguês' Preciso vivê-lo na plenitude sem quaisquer reticências Novos dias que a vida traça e eu assino embaixo Sim estou feliz mais do que nunca e menos do que imagino poder chegar logo mais no próximo minuto que nasce assim que aqui termino sem qualquer ponto final

16 de julho de 2010

Da série Férias - parte 1

Nostalgia

Tô me sentindo como me sentia aos 12, 13 anos.
Minha mãe avisava meio em cima da hora, justamente pra evitar que a ansiedade me dominasse por dias sem fim: "Vamos viajar em férias depois de amanhã!"
Iupiiiii!!!! Era uma alegria só. Eu adorava ajudar a arrumar as malas. O mais legal era acordar de madrugada, ainda escuro, e subir no táxi que nos levava à estação da Luz, para pegar o trem.
As duas noites que antecediam a aventura eu não dormia. Só cochilava e era acordada pelo frio na barriga que me invadia vez ou outra, na deliciosa expectativa.
Era julho também, frio à beça. Acordar e tirar o pijama de flanela, ainda sob as cobertas, para vestir as meias, calças e a camiseta de manga comprida, faziam parte do ritual.
Escovava os dentes me olhando no espelho e imaginando a primeira imagem que eu teria ao chegar na cidade do interior, onde, por alguns anos, as férias de inverno eram amplamente curtidas.
Entrei no trem várias vezes, mas sempre era bacana, diferente. A viagem durava 5 horas que eu vivenciava como as mais especiais. Quando o carrinho de comes e bebes apontava lá na frente do vagão, eu já olhava pra minha mãe.
Ela sinalizava positivamente com a cabeça, porque tinhamos direito a uma refrigerante caçulinha e um salgado, que podia ser daqueles fedidos, de pacote, ou o cachorro-quente. Sempre escolhia a segunda opção porque sabia que meu irmão escolheria a primeira - e eu podia filar salgadinhos dele (alguns ele deixava... mas só alguns!).
O vai-e-vem do trem acabava aguçando um soninho bom, ainda mais para quem não tinha dormido bem por duas noites. Mas a excitação era tamanha, especialmente com a paisagem correndo na janela, que eu nem piscava.
Na hora do almoço chegávamos ao destino.
Meu tio nos esperava na estação. E, bem apertadinhos, num fusca, íamos pra casa dele.
A mesa posta enchia os olhos e fazia o estômago roncar. A tia sempre foi cozinheira de mão cheia e aquele clima de interior... nossa! Era como se eu entrasse num mundo paralelo.
Eram 15 dias em que eu me liberava de todos os medos e de regras. Vivia descalça, corria na areia das fazendas, fazia acampamento, comia pra caramba, inventava brincadeiras com minhas primas, paquerava os meninos de lá, que me achavam o máximo porque eu era de "sumpaulo"...
E chegava o dia de voltar... sempre chorei baixinho na noite anterior, sufocando o som no travesseiro, com a sensação de que estava perdendo uma parte importante de mim.
E pegava o trem de volta, depois de ter de ajudar, forçadamente, a arrumar as malas.
Não tinha vontade nenhuma de tomar minha caçulinha nem comer o cachorro-quente.
Dormia quase a viagem inteira pensando que, ao acordar, eu estaria de volta à casa de meus tios, descabelada, suja e cheia de barro depois de brincar de rolar na lama.
A vida recomeçava, fria e cinza, lá em casa.
E, por algumas semanas, sentia-me deprimida e sem graça.
Até que o ano corria e minha mãe avisava: "Vamos viajar depois de amanhã!"
Meus olhos brilhavam e meu coração acelerava na mesma hora, como me sinto hoje, quando sairei do trabalho ávida para curtir minhas férias.
Não vou tomar trens nem comer cachorro-quente. Mas, se puder, quero ficar descalça e rolar na lama. Esquecer o tempo e as regras. E devolver pra mim aquilo que deixei lá atrás, naquele tempo, naquelas aventuras que pra sempre marcaram minha vida. E que resgato ao lado de quem amo, também numa deliciosa cidade do interior.

8 de julho de 2010

Da série Doce vazio

Falta

Estou meio oca, menina. As ideias não fluem e fico olhando a tela vazia.
Falar de que, do que, pra quem?
Aliás, tô mesmo precisando falar? Quer saber?
Não. O silêncio tem sido uma benção. Se vai durar, não sei.
Se amanhã mudo de opinião, quiçá?
De qualquer forma, listo aqui tudo o que vier à cabeça - só pra não dizer que não falei das flores - neste exato momento e por alguns minutinhos - juro!

Quase hora de ir pra casa! Eba! Pegarei trânsito? Véspera de feriado.... ai!!! Que delícia! Vou encontrar o marido logo mais! E o filho amanhã. Não vejo a hora de tomar o restinho de vinho que deixamos na geladeira. Puts...tenho de arrumar a malinha e eu o-de-i-o arrumar mala, caçamba! Achei que o dia correu hoje... mas, ontem, também. Aliás, a vida tá veloz, minha gente!Caramba! Faz um tempão que não vejo meu mano. Bem que podia rolar de ir até POA vê-lo.Queria era viajar um mês seguido e não só uma semana. Credo, deu uma vontade de comer chocolate até entupir! Carência? Não... deve ser fome mesmo. Almocei pouco... devia ter experimentado o escondidinho de carne seca. A cara tava boa. Aliás, os doces também estavam chamativos. Vou deixar pra comer doce no findi, lá em Minas. Porque aí o pecado tem sentido total. E as celulites também. Puts! Faltei a semana toda no Pilates. Preciso tomar vergonha na cara. Mas logo entro em férias e aí eu vou caminhar um monte e voltar a trotar pra perder o excesso da cachacinha que pretendo consumir. Ê vida boa! Não vejo a hora. E mereço. Que primeiro semestre danado. Tô que é só pó...

E chega. Já abri demais meu cérebro cansado para vomitar aqui tantos pensamentos vãos.
Se algo melhor surgir, pelo caminho, volto cá e escrevo. Se não, caros leitores - se é que alguém lê isto aqui - irei poupá-los de bobagens infâmes. Prometo! Asta la vista! 

28 de junho de 2010

Da série Brasil na Copa

Vuvuzela

Na arena do futebol, para os jogadores em campo, mais parece um enxame de abelhas vindo ao ataque.
Quem assiste frente à TV sabe que a coisa é insuportável se fosse ao vivo.
Mas na arquibancada ninguém dá a mínima, tamanha a alegria de apenas ali estar, azucrinando o mundo, via satélite, com a corneta democrática, quando todos se calam e ninguém escuta nada.

Kaká e afins

Ele não é mais aquele menino completamente dócil e puro, acima do bem e do mal.
Virou gente grande. Faz falta, fala palavrão, indigna-se e, sutilmente, mete o cotovelo, levando cartão vermelho.
Finalmente, humanizou-se. Tomara que logo, logo volte a jogar um bolão.

Cala a boca, Galvão!

Se você vai a qualquer lugar público para assistir aos jogos, 'tá na Globo!
Se resolve ficar na casa do vizinho, 'tá na Globo!
Caso decide permanecer no trabalho, frente ao telão montado pros funcionário, 'tá na Globo!
Todos - ou a maioria - odeiam Galvão Bueno, mas 'tão na Globo, o dia inteiro.


Torcidas

O mais bacana das torcidas, que se reúnem nos bares, não é torcer de fato.
É olhar o cara ou a mina bonitinha da torcida ao lado.
É ter uma boa desculpa pra beber cerveja em plena segundona às 15h30.
É liberar os demônios na vuvuzela, mesmo que alheia, ou soltar todos os palavrões impróprios ao ambiente de trabalho.
O gostoso para as torcidas, mais que vencer, é cruzar os dedos para o Brasil não ser iliminado. Pra não melar a sexta-feira que vem.

Hino

É incrível como nos jogos da Copa as pessoas param pra cantar o hino nacional.
E com um orgulho de fazer inveja aos nacionalistas dos velhos tempos.
Mas, calma! Isso passa logo. É só dar uma observada na galera, nos momentos menos concorridos. O orgulho vai embora, rapidinho, com as enchentes,a dengue, a destruição do patrimônio público, da natureza, da cordialidade no trânsito... Ouviram?

Fábula

Eu teria menos paciência no lugar de Dunga. Teria virado Zangado antes.
Haja saco pra aguentar os milhões e milhões de técnicos de plantão palpitando e metendo o pau.
Fora a imprensa, que não alivia nunca!
Dureza! Taí um emprego que eu não queria nem pela maior grana do mundo, nem se Branca de Neve fosse a líder da torcida.
Mas não esquenta, Dunga. Nem pense que te apoio completamente. Apenas respeito o seu momento, quando dita as regras vestido de um jeito que eu também não curto. Mas, cada um é cada um, concorda?
E fica frio. Porque o povo aqui é que nem onda: vai e vem. Depois do jogo de hoje, contra o Chile, tá todo mundo te amando. Pode ficar Feliz! E até tirar uma Soneca...

Da série Doideira

Insana

Se eu fosse avaliar minha sanidade pelas ancestrais que tive, diria que é quase nula.
Uma bisavó quebrou a bacia (dela, não a de louça) certa vez porque estava lavando um pé no bidê e colocou o outro - sem tirar o primeiro que já estava lá, banhando-se.
A tia avó foi assistir à missa, em um belo domingo, ladeira acima e mancando. Havia colocado um pé de cada par de sapato e só percebeu quando alguém lhe mostrou a diferença, no meio do salmo.
Essa mesma - tadinha - subiu a escadinha para pegar algo na parte de cima do guarda-roupa e desceu pelo outro lado... onde não havia degraus.
E assim foram algumas das mulheres que me antecederam.
Atualmente, tenho as minhas loucuras pessoais.
Uma delas foi, na correria de uma reunião de trabalho, querer achar um arquivo no micro. Eu em pé, frente à tela, tentando mexer a seta do mouse. Esta, paralisada. Pois! Eu estava é movimentando o meu celular sobre o mousepad!
Outra vez fui pegar recado na secretária eletrônica do fone fixo, na minha mesa do trampo. A voz mandava digitar números para acessar o recado gravado. E eu digitava, mas nada de a coisa ir pra frente. Talvez porque eu estivesse digitando o teclado numérico de meu computador, ali, ao lado...
Também já me estrepei - ou me mijei - toda ao entrar correndo no banheiro, mais que apertada, tirar a calcinha e relaxar sobre o vaso, meio agachada, meio em pé, para esvaziar a bexiga... pena que eu tenha esquecido de erguer a tampa que fecha a privada.
Dizem que tenho cura. Eu mesma também acho... enquanto isso, como 'Mari, a Louca', me riu.

22 de junho de 2010

Da série Luto

Contradições

Tenho visto gente nascer pra cá e pra lá.
Bebês lindos, loiros ou morenos, fofos sempre, como é o início de tudo.
Mas, vez ou outra, alguém se vai. Novo ainda, fofo do mesmo jeito.
E isso doi na gente. Doi por lembrar que já foram bebês.
Que começaram a engatinhar, andar, falar... e estavam se fazendo.
O sopro, que se faz verbo, é lindo e brilha como sol em noite de inverno.
O último suspiro, que retorna à terra como pó, é triste, enlutado, como a noite que escurece a manhã de verão.

Aos que morrem tão cedo. Aos que ficam, amando-os à distância, eternamente.

14 de junho de 2010

Da série Silêncio

Copa do Mundo

Enquanto a bola rola, japoneses papam camarões, italianos são fajutados pelos paraguaios e a expectativa é pelo sucesso - ou não - do caçula dos 7 anões (ou do Lula de saia)... eu fico assim, em silêncio, isolada dos fogos, das bandeiras e das cornetas afro..disíacas.
Nem a mistura com Santo Antônio, fogueiras e quadrilhas - só as que dizem em que Tuma Filho dançou - me fazem coceguinhas para mudar o rumo e o pensamento.
Se ando insensível? Quem sabe? Nem imagino.
Só quero mesmo é ficar embaixo das cobertas a descansar meu corpo das aulas de Pilates e das reuniões infindáveis com assuntos indiscutíveis.
Tudo para esperar a sua volta e brilhar de novo, como aquela estrela que, semi embriagados, olhamos juntos no céu límpido e cálido de nossa cidade do interior.
Por favor, não demore, não.

8 de junho de 2010

Da série Espasmos

Repente

Ele repetiu o que ouviu na reportagem: "as mulheres de hoje só precisam dos homens para o sexo, porque fazê-lo sozinhas não tem graça".
Me perguntou, então, porque eu precisava de um homem.
Pensei pouco porque tenho certa a resposta.
Porque é para um homem que quero dar o melhor de mim, traçado e cavado a duras penas depois de tantos aprenderes. Ou que sentido teria o que vivi e colhi se não para compartilhar com quem amo?
Também preciso de um homem que acolha minhas imperfeições, com tanto carinho, que vou perceber que me superar sempre vai valer a pena.
Por que preciso ter um homem? Não, na verdade, eu não preciso. Mas quero ser para ele eternamente.